Para Sidney Pollack, cinema de Hollywood não é arte

Para o cineasta norte-americano os filmes de Hollywood são uma cultura popular sujeita aos interesses comerciais

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Por Agencia Estado
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Premiado em Locarno com um Leopardo de Ouro, o cineasta norte-americano Sydney Pollack se mostrou realista quanto ao cinema de Hollywood, que ele não considera arte, mas cultura popular sujeita aos interesses comerciais. Entretanto, Pollack conseguiu furar as barreiras dos compromissos, em muitos de seus filmes, como "Matam-se também os Cavalos", sobre a crise norte-americana de desemprego nos anos 30, "Jeremiah Johnson" e "Os Três Dias do Condor". Foi com "Out of Africa" que Pollack obteve o Oscar. Há vinte anos, diz ele, tem na cabeça a vontade de fazer um filme sobre o mundo hollywoodiano. Leia a entrevista com o cineasta Pergunta ? Como reage ao receber o Leopardo de Honra ao vir pela primeira vez a Locarno? Sydney Pollack ? Apesar de seus 55 anos, o Festival de Locarno é jovem, no sentido de se preocupar com o cinema de arte, razão pela qual seu público é também jovem. São filmes que vão além do circuito comercial e me sinto honrado por participar. Sempre trabalhei no mundo do cinema comercial, mas sempre tentei ter uma margem de manobra, dentro da estrutura do cinema comercial, na base de idéias e ideais, no cinema que procura chegar ao público de todo o mundo. Vou aproveitar para rever um filme que fiz há mais de 30 anos e que não vejo há mais de vinte anos. Me pergunto que efeito fará ao ser projetado num telão tão grande, numa bela praça e só espero que não chova. Pergunta ? Qual sua experiência nos últimos anos como produtor. No que o cinema tem mudado nesse setor? Sydney Pollack ? Não existe uma definição exata de produtor, pois existem várias maneiras de se produzir, desde a negociação de títulos de filmes até a competência para comprar a história de um livro e realizá-la. Como também se pode ser produtor quando se tem o talento para coletar o dinheiro para o filme. Pode-se também ser produtor da embalagem do filme, ajudando-se no casting dos atores ou na estética do filme, na montagem e na mensagem que o filme quer transmitir, além da coleta de dinheiro. Portanto, nos EUA essa função não está bem definida é muito individual. Quando eu produzo um filme, não estou preocupado com o aspecto financeiro, mas me interesso pelo seu conteúdo, a gestão do filme, sua mensagem e a maneira de bem destacar seus atores. Nestes últimos anos, houve grandes mudanças no cinema - os grandes estúdios foram comprados por multinacionais e existem agora poucos pequenos estúdios. Isso significa que o custo do marketing de um filme ficou caríssimo, muito maior que o preço do filme. O publico também se tornou mais jovem. É um publico que conhece todas as tecnologias e vê um filme com os fones nos ouvidos tocando rock ou fazendo seus deveres escolares. Por isso, é preciso fazer os atores tirarem logo a roupa ou começarem logo a brigar, senão esses jovens se enfadam e acham o filme chato. Os filmes independentes não são assim, mas os grandes sucessos comerciais têm uma vida rápida, duas ou três semanas de projeção. Não são concebidos para durar muito tempo. São um espécie de fast-food. Mas neste mundo, existem alguns filmes que têm uma vida mais longa e podem atingir o mesmo publico jovem, mas o número deles é cada vez menor. Uma minoria de filmes tem idéias e conteúdo, não sei qual ser o futuro. Pergunta ? A América vivia uma crise econômica quando foi feito seu filme "Matam-se também os Cavalos" e, hoje, guardadas as proporções, existe uma crise econômica, houve também o 11 de setembro. Como você vê a América de hoje e se fosse fazer um filme a respeito qual seria a abordagem? Sydney Pollack ? Essa pergunta é complicada é preciso ter um mestrado para respondê-la (rindo), nos EUA fazem perguntas bem mais fáceis, do tipo foi bom trabalhar com Robert Redford. Coisas simples, mas aqui na Europa, é preciso cultura para se responder. Mas deixando de lado a brincadeira, os EUA tiveram um belo período, desde o fim da guerra fria até os atentados do 11 de setembro. Viveu-se numa espécie de paraíso, a economia em expansão, tudo parecia ir para o melhor. Não era essa a realidade, mas pelo menos a aparência. Tudo mudou depois dos ataques terroristas e os EUA descobriram que apesar dos sucessos comerciais, de ser uma superpotência, fracassou nas relações públicas com o resto do mundo. Não sei qual a solução, mas não será possível se encontrar a sensação de bem estar, antes de serem solucionados os problemas decorrentes da pobreza e miséria. É preciso muita prudência na forma como se utiliza o poder, a potência e a riqueza, para não se provocar um excesso de problemas. Não creio que se deva fazer filmes agora sobre isso, é preciso muito tempo para que os fatores emocionais de um país encontrem seu caminho na arte. Tudo deve ser assimilado, digerido e refletido. Não se pode fazer um filme em cima da primeira página dos jornais, seria documentário e propaganda. Foram necessário 15 anos para um filme sobre o Vietnã. Não havia nenhum bom filme sobre o Vietnã antes de decorridos dez anos sobre o fim dessa guerra. É preciso reflexão e sedimentação. Como fazer um filme sobre o estado de espírito atual do país, quem sabe, se eu viver bastante, poderei talvez fazer, veremos. Pergunta ? O que o ator Pollack, num filme de Kubrick, pode contribuir para o diretor Pollack? Sydney Pollack ? Não me entusiasmo muito com meu papel de ator. É como fazer o papel de espião, para saber o que fazem os outros diretores, pois um diretor nunca sabe direito o que fazem os outros. Eu pude saber um pouco o que Altmann, Kubrick e os outros faziam. Cada diretor tem sua maneira, trabalham e depois vão ver no que deu. Esse é mais ou menos o método de Woody Aller e era o Kubrick. Não se aprende muita coisa, ou o que se aprende é por imitação. Na verdade, aprendi só duas coisas. Tomemos por exemplo Woody Allen e Kubrick ? Kubrick era um microadministrador, que controlava todas as fases, todos os movimentos e ações na cena, mesmo o dedinho da mão. Os atores se sentem como bonecos em suas mãos; Woody Allen, ao contrário, diz aos atores façam como acharem melhor, mudem o diálogo, e não diz nada, não dá nenhuma ordem ou indicação aos atores, não diz nem bom dia, é um sujeito ultra tímido. A beleza do seu trabalho é no casting. Ele me deu um papel miserável e terrível, mas seu talento é na escolha dos atores. Seu trabalho não é o de formar um ator para o papel, não, quando o trabalho de um ator não funciona, ele manda embora e pega outro. Aprendi muito com os dois, embora trabalhem de maneiras opostas. Pergunta ? Tem algum projeto para o futuro? Sydney Pollack ? Faz 20 anos que tenho vontade de fazer um filme sobre Hollywood, de uma maneira realista. Esse mundo estranho da produção, como uma indústria dirigida por crianças mimadas ou egoístas, consegue dar origem a pelo menos um excelente filme por ano, destinado a ter longa vida, como a terra com adubo da qual sai uma flor. É fascinante que isso ocorra num sistema pouco inclinado à produção de filmes de arte, que não são financiados mesmo porque quem decide pelo governo não são os intelectuais e os interesse principal é o financeiro. Isso é que eu gostaria de pôr num bom filme, mas não encontrei ainda a história capaz de contar isso. Pergunta ? O que acha do cinema numérico ou digital? Sydney Pollack ? Estou dividido, há coisas que gosto, porque é rápido e eficaz, performante. Quando se considera o sistema atual de exploração dos filmes, isso não tem sentido. Quando se tem três mil cinemas é preciso se fazer três mil cópias e cada cópia se danifica quando se projeta. Isso é um desperdício, quando se pode fazer uma só cópia e enviar para as três mil salas, sem danificar a cópia. Entretanto, não acho que o numérico já esteja no ponto. Vi alguns filmes independentes feitos com câmeras digitais, já trabalhei também com esse sistema em documentários. No momento tento mesmo combinar o numérico com super-16 num documentário sobre um arquiteto. As obras arquitetônicas filme em super-16 e as entrevistas em digital, para captar a espontaneidade das pessoas, sem iluminação com uma pequena câmera. Porém, não vejo ainda um filme todo em numérico. A melhor resolução que podemos ter é de 5 a 6 megapixes, quando no filme se precisa 20 mil. No numérico se obtém um só efeito, se não se obtém a imagem desejada não se pode fazer nada. Mas no filme normal, pode-se sempre ajuntar um pouco mais de luz, destacar mais as imagens, diminuir a luz, escurecer tudo, num controle sobre os detalhes. Ao contrário, se houver excesso de exposição de luz numa filmagem em digital, não se pode corrigir. Espero que nos próximos dez anos esses problemas sejam resolvidos, mas, no momento, sinceramente, não acho que o numérico possa resolver tudo para se fazer um filme. Pergunta ? Que forma de autocensura os cineastas norte-americanos achariam normal no momento? Sydney Pollack ? No começo, se imaginou que se deveriam evitar filmes com maus bombeiros, pois se tornaram heróis, e sobre violência, mas a política não deve colocar algemas na produção da cultura popular, não vamos falar arte, pois os filmes de Hollywood não são uma forma de arte e sim da cultura popular. No passado, fiz um filme contra a CIA, porém a história é mais importante que a mensagem. Eu não gostaria que meu filme "Os Três Dias do Condor" fosse vistos como uma propaganda contra a CIA, mas pelo thriller do filme, era isso que me interessava. Acho que, nos EUA, a preocupação pela autocensura já chegou ao fim.

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