"Pão e Tulipas" reacende a chama da comédia

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Por Agencia Estado
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Pão e Tulipas, Pão e Rosas, O Feijão e o Sonho. Dá tudo na mesma. Da comédia italiana de Silvio Soldini, ao drama político de Ken Loach, passando pelo romance de Orígenes Lessa, trata-se sempre de conciliar essa contradição difícil para o ser humano: atender à dura realidade da vida e ao mesmo tempo estar aberto à aventura e à fantasia - ou seja, àquilo que realmente vale a pena. Em Pão e Tulipas, a heroína é Rosalba (Licia Magliettta), típica mamma de classe média, com filhos e um maridão grosseiro e desatento. Rosalba está com a família numa excursão de ônibus quando simplesmente é esquecida num shopping center. É isso: ela se atrasa e a turma vai embora sem ela. Rosalba fica meio perdida num primeiro momento, mas depois descobre que a ocasião é excelente para realizar um velho sonho, o de conhecer Veneza. E é em Veneza que ela conhece alguns tipos muito interessantes. Entre eles, um florista com tendências anarquistas, uma massagista esotérica e um garçom finlandês, vivido por Bruno Ganz. Quando percebe que Rosalba não está a fim de voltar para casa, o marido resolve enviar atrás dela um detetive trapalhão, que se junta ao grupo. Esse, o entrecho básico. Que, compreensivelmente, não apresenta novidades em muitas de suas partes. Algumas delas são realmente previsíveis, mas não é por aí que se deve ver esse filme carinhoso. Soldini, com essa história singela, vai ao encontro dessa fantasia básica do ser humano que é evadir-se, mandar tudo pelos ares, mudar radicalmente de vida. De que se alimenta esse sonho senão da insatisfação básica em relação ao cotidiano? Basta pensar: tudo em geral é muito chato no dia-a-dia. Em particular para uma típica dona de casa meridional, aquela "casalinga" cercada de filhos e de chatos, sem tempo para pensar em si mesma, para amar para se desenvolver, etc. Não por acaso, na fábula (porque é disso que se trata) proposta por Soldini, Rosalba volta a tocar um instrumento musical, um acordeão, como fizera na juventude. Como se colocasse um pouco de arte em uma existência insípida. Enfim, "Pão e Tulipas" é um filme gentil sobre a possibilidade de mudança pessoal, mesmo que meio tardia. Não deixa de ser crítico, quando mostra como pode ser opressiva a estrutura familiar, sobretudo quando essa opressão aparece sob a forma de amor sufocante, de compromissos e deveres. Nada disso aparece em forma de discurso, mas na simples exposição de quadros da história. Adequadamente, Soldini cria uma aura mágica para ambientar sua fantasia. Vai a Veneza, que, em si, sem nenhuma ajuda, já é um décor fantástico, onírico, uma cidade cenográfica pronta para aqueles que um dia resolveram que estão com a, digamos assim, paciência cheia de tudo e precisam mudar para não morrer. Há música, luz, amor, um pouco de gastronomia e outro tanto de loucura. E também uma pitada de sensualidade para dar sabor a essa história. De tal forma que é inevitável torcer para que tudo dê certo para Rosalba e seu introspectivo finlandês. Mesmo por que é difícil ficar indiferente ao charme de Bruno Ganz (de Asas do Desejo), com seu carisma sereno e sotaque charmoso. Ganz era a tacada certa para o filme. O achado de Soldini foi a atriz Licia Maglietta, que no começo da história parece uma dessas mulheres comuns, tristes, que você encontra em qualquer rua de Roma ou de São Paulo. Depois, à medida em que vai voltando a provar do gosto da vida, sua personagem, Rosalba, parece desabrochar, como uma flor cansada que se coloca num vaso d´água e renasce. Enfim, esses ingredientes, as flores, a música, a comida, a cidade bela, o amor, estão lá, presentes. Nada de muito novo, se você analisar por um ponto de vista, vamos dizer, intelectual. Mas, no fundo, quem resiste ao encanto de uma dessas boas comédias italianas, um pouco como as de antigamente, e que falam que a vida é curta, mas boa, e que convém aproveitar enquanto é tempo?

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