Paixão e humor em "Copenhagen"

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Por Agencia Estado
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A primeira coisa que faz de Copenhangen uma peça instigante é o seu texto. Em seguida vem o talento dos atores Carlos Palma e Oswaldo Mendes, que conquistam a empatia do público como os personagens centrais: dois cientistas apaixonados por suas idéias e acadêmicos frios debatendo conceitos herméticos. Por fim, a direção segura de Marco Antônio Rodrigues, que privilegia atores e texto, e utiliza recursos, principalmente de iluminação, com aguda precisão dramática. Escrita pelo inglês Michal Frayn, a estrutura dramatúrgica da peça segue os princípios de uma investigação científica, assim como o comportamento dos personagens. A trama baseia-se em história e personagens reais: um misterioso encontro entre o judeu dinamarquês Niels Bohr e alemão Werner Heisenberg, dois papas da física quântica, formuladores de princípios científicos fundamentais para que fosse possível a construção da bomba atômica. O encontro ocorreu na Dinamarca ocupada, em 1941, quando Heisenberg trabalhava no programa nuclear nazista. Nunca se soube exatamente o que os dois antigos parceiros de trabalho conversaram nesse encontro. Quando a guerra acabou, Bohr, que havia contribuído com os aliados para a construção da bomba, continou prestigiado no meio científico. Heisenberg foi execrado por sua colaboração com os nazistas. Tudo isso é História, mas o autor faz com que os personagens relembrem esses fatos, cujo conhecimento é fundamental para que o espectador compartilhe a discussão travada em cena, sobre a ética e a inserção social do conhecimento científico. Quando a peça tem início, o personagens, Bohr (Mendes), Heisenberg (Palma) e Margareth, mulher de Bohr (Selma Luchesi), estão mortos. Assim, já sabendo do que ocorreu antes e depois do encontro, eles tentam entender exatamente o que se passou naquele fatídico dia em "Copenhagen". Um encontro que interferiu no rumo da História e encerrou uma sólida amizade. Cientista é aquele sujeito cabeça-dura, que não aceita como a maioria dos mortais a idéia de que a Terra é o centro do universo, mesmo quando quem afirma é o papa e a dúvida leva à fogueira. Heisenberg e Bohr são homens possuídos por essa curiosidade científica e, depois de mortos, estão investigando a si mesmos, sua contribuição para a ciência, sua ação no mundo. O genial de Frayn é que o comportamento dos personagens evolui de acordo com o conhecimento científico debatido e o leigo consegue acompanhar isso. Eles passam o primeiro ato buscando uma explicação baseados nos princípios da física clássica, nas relações de causa e efeito. Quando termina o primeiro ato, o público vai para o intervalo certo de que já está claro o motivo do encontro. Mas no segundo ato eles vão buscar novas explicações, mais claramente baseadas nos princípios da incerteza e da complementaridade, conceitos de física quântica que nada têm a ver com causa e efeito. Não é um raciocínio fácil de ser acompanhado, mas é fascinante. E Frayn tempera tudo com muita paixão e humor.

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