"Os Corruptos" de Fritz Lang sai em DVD

É o filme em que Lee Marvin atira um bule de café fervendo em Gloria Grahame, que fica com o rosto deformado, metade anjo, metade monstro. Sintetiza a ambivalência que o gênio de Lang sempre quis expressar no cinema

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Por Agencia Estado
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Completaram-se em agosto 25 anos da morte de Fritz Lang. Como todo gênio do cinema, ele ainda assombra os cinéfilos com sua prodigiosa criatividade. Volta e meia um filme ou um ciclo refrescam a memória e ajudam a lembrar o autor que François Truffaut, no seu tempo de crítico, gostava de colocar naquela tendência que chamava de ´arquitetos da imagem´, observando que nada, no cinema de Lang, é deixado ao acaso. O mestre sempre quis controlar cada centímetro da tela, mostrando ao espectador só o que considerava necessário para tecer suas tragédias. Isso é fácil de comprovar nos filmes da primeira fase expressionista, que foram feitos, afinal de contas em estúdio. Parece mais difícil nas produções da fase norte-americana, westerns e policiais como Os Corruptos, que a Columbia Home Video está lançando em DVD. Não se anime muito com a expectativa de extras. Eles se reduzem basicamente a trailers de cinema e publicidade da época. De resto, é o de sempre: seleção de cenas e idiomas e aquele cuidado com a imagem e o som que faz com que Os Corruptos, como a maioria dos lançamentos antigos em DVD, volte numa versão remasterizada digitalmente. Não representa pouca coisa. Os Corruptos é uma das pérolas da coroa hollywoodiana de Lang. Só para lembrar, é o filme em que Lee Marvin atira um bule de café fervendo em Gloria Grahame e ela fica com o rosto deformado. A duplicidade desse rosto - metade anjo, metade monstruoso -é a síntese perfeita de uma ambivalência que Lang sempre quis expressar no cinema. Quase todos os filmes do grande diretor mostram o mal como intrínseco ao ser humano. Pense em personagens como Mabuse, M. Nasceram para o mal. Mas Lang não é reducionista. Não faz do mundo o cenário de um embate entre bem e mal, narrado em tintas maniqueístas. Peter Lorre expressa um tal desespero no desfecho de M, o Vampiro de Dusseldorf - quase sempre apontado como a obra-prima de Lang - que aquele pode ser considerado um dos mais pungentes gritos de angústia do homem, registrados por uma câmera de filmar: Alguém me ajude, por favor. Só sendo de pedra para ficar indiferente. Há um pouco dessa urgência desesperada em Os Corruptos. Foi um dos dois filmes que Lang fez com Glenn Ford no começo dos anos 50, sendo o outro Desejo Humano, remake de A Besta Humana, de Jean Renoir, nos anos 30. Ford faz o policial honesto, Bannion, que investiga o suicídio de um colega. Ele recebe ordens para parar sua investigação, mas prossegue assim mesmo. Uma explosão mata sua mulher e ele não tem mais dúvida de que um chefão do submundo está por trás das mortes. Violência - Esse personagem é interpretado por Alexander Scourby, mas o verdadeiro conflito se dá entre Bannion e o capanga do criminoso, uma memorável criação de Lee Marvin na fase ascendente de sua carreira (ele só iria virar astro nos anos 60). Marvin se chama Stone. Tem a alma e o coração de pedra. Quando sua amante se aproxima de Bannion, ele desfigura seu rosto. Ela se vinga e conta tudo sobre as atividades criminosas do amante carrasco. O confronto final entre Bannion e Stone é brutal. Há quase 50 anos (o filme é de 1953), Os Corruptos foi considerado particularmente violento. Hoje, quando todos os limites do sexo e da violência já foram esquadrinhados na tela, o filme continua forte. Lang fez com ele o que não deixa de ser sua viagem ao coração das trevas, para descobrir do que o homem é capaz. É um dos clássicos da fase norte-americana do grande diretor. Vienense (como Otto Preminger e Billy Wilder), Lang nasceu em 1890 e emigrou para os EUA para fugir ao nazismo. Sua obra expressionista é tributária do pessimista romantismo alemão. Desenvolve-se em torno de temas como a culpabilidade (verdadeira ou atribuída), o homem acossado pelo destino implacável ou pelo meio social, o fatalismo, o instinto de vingança. Essas constantes temáticas permitiram que Lang se adaptasse muito bem em Hollywood, fazendo filmes de ação. Seus westerns e policiais são memoráveis, mas poucos foram os críticos - Peter Bogdanovich, por exemplo - que se debruçaram sobre a fase norte-americana da carreira de Lang. Embora seus filmes em Hollywood somem mais da metade da obra do grande diretor, o esnobismo dos críticos estabeleceu a falsa premissa de que, depois de seus dois primeiros filmes nos EUA (Fúria e Só Se Vive uma Vez), ele nada mais fez à altura de suas obras-primas no expressionismo alemão. Vale pegar emprestada a Bogdanovich sua observação, totalmente pertinente, de que Lang não tem igual como criador de pesadelos cinematográficos. O cinema pode ter evoluído muito em termos de efeitos especiais, mas os pesadelos criados por Lang - esse mundo de dor e de sombras no qual se debatem seus personagens - continuam insuperados posua intensidade dramática. Ele podia estar falando sobre Dusseldorf, no pré-nazismo (M), sobre a luta de classes no futuro (Metrópolis) ou sobre um pirata do século 18 (O Tesouro do Barba Rubra). Há em todos esses filmes uma personalidade autoral que transcende gêneros e até cinematografias. Lang foi, realmente, um dos grandes do cinema. Serviço - Os Corruptos (The Big Heat). EUA, 1953. Direção de Fritz Lang. Distribuição da Columbia. Em DVD,nas locadoras. R$ 40

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