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Os cem anos de Vittorio De Sica

O centenário de nascimento do diretor italiano será lembrado no Eurochannel. Suso Cecchi D´Amico, a roteirista de Luchino Visconti, fala com imenso carinho de De Sica, que dirigiu, entre outros, Ladrões de Bicicletas, que já foi considerado um dos melhores filmes do mundo

Por Agencia Estado
Atualização:

Cem anos de Vittorio De Sica. Ele nasceu em 7 de julho de 1901, morreu em 13 de novembro de 1974. O centenário de nascimento do ator e diretor italiano será lembrado amanhã (25), duplamente, pelo Eurochannel. O canal europeu da TVA mostra, às 20h30, o documentário 100 Anos de De Sica. Na seqüência, às 21h30, exibe A Culpa dos Pais, que ele dirigiu em 1942. O nome de De Sica é indesligável do de Cesare Zavattini. Ambos deram ao neo-realismo alguns de seus títulos mais notáveis. Houve um tempo em que Ladrões de Bicicletas, de 1948 era considerado um dos melhores filmes do mundo. O melhor, para dizer a verdade. Por mais importante que tenha sido esse filme para impor, com Roma, Cidade Aberta, de Roberto Rossellini, a tendência chamada de neo-realismo, Ladrões de Bicicletas nunca foi a obra-prima do cinema de todos os tempos. Mas também não é, nunca foi, o melodrama horroroso em que seus detratores tentaram transformá-lo nos anos 60 e 70. Suso Cecchi D´Amico, a roteirista de Luchino Visconti, fala com imenso carinho de De Sica. "Era um homem encantador e um ator extraordinário." Ela deu seu depoimento na segunda à tarde. Já era noite em Roma e Suso atendeu pessoalmente o telefone. "Vittorio foi molto bravo", ela diz. "Não merece o esquecimento a que tem sido relegado." Admira-se de saber que ele esteja sendo homenageado no Brasil. Mas logo em seguida corrige o que poderia ser considerado espanto: "A universalidade do cinema é uma coisa maravilhosa", comenta. "Em todo o mundo encontrei sempre pessoas que amavam Luchino e Vittorio; o cinema é uma arte sem fronteiras." Lembra o tempo em que trabalhou com ele. Foi uma das roteiristas de Ladrões de Bicicletas, também colaborou no roteiro de Milagre em Milão, embora o grande nome, em ambos, seja o de Cesare Zavattini. Com Sergio Amidei, que colaborava nos filmes de Roberto Rossellini, com o próprio diretor de Roma, Cidade Aberta, De Sica e Zavattini formaram o quarteto propulsor do neo-realismo. Visconti também foi um dos precursores do movimento, com Ossessione, sua adaptação do romance de James M. Cain, que também surgiu em 1942. E só depois da guerra surgiram Ladrões e Roma. A Itália, derrotada na guerra, olhou para dentro de si mesma como à procura de um renascimento. E surgiram aqueles filmes feitos sob o signo da carência material, mas que expressavam tanta sinceridade, tanta urgência, que passaram a ser reconhecidos como expressões de um novo realismo. Suso conta que Ladrões e Roma foram grandes sucessos nos EUA. De Sica recebeu alguns dos primeiros Oscars de filme estrangeiro atribuídos pela Academia de Hollywood: por Vítimas da Tormenta (Sciuscià), de 1945-46, e Ladrões de Bicicletas. Mais tarde, recebeu mais dois Oscars: por Ontem, Hoje e Amanhã, nos anos 60, e O Jardim dos Finzi Contini, nos 70. Quatro, no total. Suso lembra que esse reconhecimento nos EUA terminou prejudicando, mais que ajudando, o cinema italiano. "Eles desembarcaram com seus dólares na Itália, tentando cooptar nossos talentos; Vittorio (De Sica) foi execrado ao realizar Quando a Mulher Erra para os americanos em 1953." Filho de um magistrado, De Sica começou como ator, reinando como galã nas comédias chamadas de "telefone branco", na época do fascismo. Encarnava, com extrema desenvoltura, papéis de sedutor. Estreou na direção com Rose Scarlatte, de 1939. Seguiram-se mais três: Madalena - Zero em Comportamento, Teresa Venerdi e Recordações de um Amor antes de A Culpa dos Pais, que Suso define como o primeiro filme "impegnato de Vittorio". Empenhado artística, social e ideologicamente. O próprio De Sica concordaria com a definição: no documentário, ele diz que fez esses filmes ´comerciais´ para convencer os produtores de sua capacidade e adquirir conhecimento técnico. Uma cena pode parecer chocante: De Sica batendo no pequeno Enzo Staiola, para retirar dele as lágrimas que considerava necessárias no garoto de Ladrões de Bicicletas. Sua habilidade como diretor de atores era indiscutível. Carlo Battisti, um não profissional, é gênio em Umberto D. E foi sob a direção de De Sica que Sophia Loren conseguiu o Oscar por Duas Mulheres. Fizeram vários filmes, quase todos melhores para a atriz do que para o diretor. Ele gostava de jogar. "Aruinou-se nos cassinos", conta Suso. Não tinha o rigor de um Luchino Visconti e seus filmes revelam um gosto discutível pelo populismo. Mas é a própria Suso quem diz que as grandes obras-primas de De Sica fazem parte da história do cinema. E, como ator, o galã provou que havia amadurecido em De Crápula a Herói, quando criou, sob a direção de Rossellini, o inesquecível Generale Della Rovere. Num discurso no fim do documentário, De Sica defende seu "pequeno mundo poético", como o chama, e diz que sempre teve consciência dos seus limites. Diz que era um burguês. O humanista de Ladrões de Bicicletas e Umberto D era mesmo um burguês, Suso concorda. Diz que a companhia de teatro que ele fundou com o produtor Alfredo Rizzoli, a Jabum, era mesmo a preferida dos burgueses italianos. "Teatro para depois do jantar", como ela diz.

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