Onze versões de uma mesma tragédia

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Por Agencia Estado
Atualização:

1 - Samira Mahkmalbaf põe na tela a simplicidade e a riqueza do cinema iraniano e isso confere um encanto todo especial ao seu episódio, que abre 11´09´01. Mostra uma professora e seus alunos, todos afegãos refugiados no Irã. Ela explica que algo muito importante ocorreu no mundo. Pergunta se as crianças sabem o que foi. Cada uma responde à sua maneira e surgem pequenas histórias de vida nesse lugar. Samira fala sobre a oposição entre o cotidiano e a grande História, entre a banalidade da vida e o que pode haver nela de extraordinário. Aos 22 anos - é a mais jovem diretora do grupo -, ela também confirma, após O Quadro-Negro, seu interesse pelo tema da educação. 2 - Claude Lelouch não é exatamente o tipo do diretor que você esperaria encontrar numa produção engajada como essa. O cineasta francês tem passado atestado de conformismo em quase tudo o que faz. Dentro da nulidade que, via de regra, caracteriza seu cinema, chega a revelar qualidades o episódio que se desenrola em Nova York, sobre a relação entre uma garota surdo-muda e o músico com quem ela vive. Alheia ao clamor da grande História e aos ruídos da metrópole, ela está mais preocupada com sua decepção amorosa. Lelouch, quem diria, não chega a ser um corpo estranho no universo de 11´09´01. 3 - Youssef Chahine é um diretor egípcio idolatrado por Cahiers du Cinéma. A revista não deixou por menos e achou o episódio dele o melhor (com o de Shohei Imamura). É a história de um soldado americano que morreu no Líbano e conversa com o terrorista árabe responsável pelo atentado que lhe custou a vida. Cahiers achou muito ousado da parte de Chahine fazer um ator árabe interpretar o americano e dar-lhe voz de maneira humana, sem deixar de expressar as aspirações (e contradições) do mundo árabe. O entusiasmo é exagerado, mas trata-se de uma representação válida do respeito pela alteridade sem a qual não haverá equilíbrio no Oriente Médio. 4- Danis Tanovic ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro deste ano por Terra de Ninguém, sobre a Guerra na Bósnia. É, de novo, o tema do seu episódio, que evoca outro 11 de setembro, o de 1995, quando ocorreu o massacre de Srebrenica. 5 - Idrissa Ouedraogo é um cineasta de Burkina-Faso ainda pouco conhecido no Brasil. Seu episódio, de um frescor inesperado, passa-se numa aldeia africana. Garotos identificam numa feira um sujeito que lhes parece ser ninguém menos do que Osama Bin Laden. A partir daí, eles seguem o cara e pensam no que vão fazer com o dinheiro da recompensa que o governo americano promete dar a quem fornecer informações sobre o líder da Al Qaeda. 6 - Ken Loach percebe a gravidade do que ocorreu em Nova York, em 11 de Setembro de 2001, mas propõe uma interpretação ousada do fato, como grande autor de esquerda que é. Por meio da carta aberta que um chileno exilado em Londres escreve aos parentes das vítimas, ele também lembra outro 11 de setembro, o de 1973, quando a democracia foi ferida no Chile - e numa ação na qual os EUA desempenharam um papel decisivo na deposição do presidente constitucional, Salvador Allende. É aí, o que ele fala é sobre o terrorismo de Estado, praticado em nome de interesses estratégicos e econômicos. É outro grande episódio, com o de Amos Gitai e Shohei Imamura, mas Cahiers, de novo a revista, não gostou nem um pouco. A revista, como sempre, deplora o que chama de "didatismo" do autor. 7 - Alejandro González-Iñarrítu fez um filme de impacto, literalmente, que lhe valeu a definição de "Quentin Tarantino mexicano". A história de diversas vidas unidas por acidente de trânsito na Cidade do México, em Amores Brutos, revelou um grande talento de diretor. Por isso mesmo, seu episódio talvez seja o mais decepcionante de 11´09´01. Iñarrítu mostra só a tela preta e joga com o som para concluir com uma frase de efeito. É pretensioso e termina sendo pouco eficiente (até irritante). 8 - Amos Gitai - que Cahiers, idiotamente, chama de preguiçoso! - prossegue aqui com a pesquisa estética sobre o plano-seqüência que já estava no genial Kedma, que venceu o prêmio da crítica na Mostra BR de Cinema. Filmando em película - a Kodak desenvolveu, a seu pedido, um chassi especial para filme, com a duração de 11 minutos -, ele desenvolve, num plano contínuo, a história da repórter que tenta colocar no ar as imagens de um atentado em Israel e seu editor diz que não interessa porque algo muito maior ocorreu em Nova York. Sem mostrar nenhuma imagem do World Trade Center, Gitai discute a mídia e questiona o que é, afinal, esse conceito de "importante". Como o seu, os melhores episódios de 11´09´01 falam do macro e do micro, da grande História sem perder a perspectiva das pequenas vidas. 9 - Mira Nair tem discutido com freqüência a condição da mulher na sociedade indiana e não apenas nessa. É o tema, também, de seus filmes americanos. Aqui, ela conta a história de um jovem indiano radicado em Nova York e caçado pela polícia. Tudo é visto pelo ângulo das mulheres. Não é muito bom e até parece fora de compasso com o resto do filme, mas Mira não deixa de revelar imagens interessantes sobre a vida de seus compatriotas nos EUA. 10 - Sean Penn é o único diretor americano do grupo. E, talvez por ser ator, seu episódio é, fundamentalmente, uma homenagem à arte de Ernest Borgnine, que chegou a ganhar o Oscar por Marty, em 1955. Era a história de um nova-iorquino anônimo, em busca de amor. Marty agora ficou velho, continua solitário num apartamento, mas no olhar de Borgnine, nos seus gestos, na sua expressão, Sean Penn tenta (e consegue) mostrar a perplexidade do americano médio diante do horror. 11 - Shohei Imamura assina o melhor de todos os episódios sem fazer uma só referência ao ataque às Torres Gêmeas. Por meio da história do soldado japonês que volta traumatizado da guerra - que se arrasta feito cobra pelo chão e devora um rato numa cena impressionante -, o autor do deslumbrante Água Quente sob Uma Ponte Vermelha faz um poderoso ataque às ideologias, mostrando que não existe guerra santa.

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