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"Onde Anda Você" mescla humor e melancolia

Novo longa-metragem de Sérgio Rezende, mostra o que o Brasil tem de melhor, através da história do comediante Felício Barreto (Juca de Oliveira)

Por Agencia Estado
Atualização:

Foi com uma dose de humor e outra de melancolia que Sérgio Rezende temperou este Onde Anda Você, seu novo longa-metragem que entra hoje em cartaz em 40 salas brasileiras. O filme fala de um comediante veterano, Felício Barreto (Juca de Oliveira), que sente o fim próximo mas deseja dar ainda um sentido último a essa reta final. Como perdeu o parceiro (José Wilker), Felício resolve procurar outro cômico para formar dupla com ele. Sai atrás de um comediante mítico, um certo Boca Dura (Aramis Trindade), que mora em algum canto do Nordeste. Assim, a história que começa na noturna São Paulo vai terminar sob o sol amigo do Ceará. Um filme de estrada que é também a viagem espiritual do seu protagonista e, claro, do próprio autor. Rezende, diretor de filmes como O Homem da Capa Preta, Lamarca e Guerra de Canudos, havia orientado sua carreira para a interpretação de personagens e episódios da História do Brasil. Agora, volta-se para um tema mais pessoal, mas que fala do País - e de uma maneira talvez mais intensa do que antes. Afinal, o Brasil é o país das carências que não se resolvem, da brutalidade progressiva das metrópoles, das desigualdades inaceitáveis, mas é também o país da doçura, das relações ternas, da beleza e da delicadeza. Barbárie e afeto aqui convivem. Onde Anda Você faz sua opção - põe em foco o que este país tem de melhor, de mais suave e agradável. Faz bem à alma. Em entrevista ao Estado, Rezende disse que sua idéia inicial era fazer um documentário, uma espécie de retrato do Brasil através do humor. "Queria entrevistar comediantes de todo o País, do Sul ao Norte, desde um gaúcho da fronteira, passando por um caipira paulista até um nordestino arretado", diz. Aos poucos, no entanto, a inspiração documental foi se transformando em ficção. Sérgio associou-se ao roteirista Leopoldo Serran e os dois foram trabalhando a história de Felício. Curiosamente, o tom do filme foi dado por uma figura musical, uma das danças húngaras de Brahms. "Eu adoro a maneira como Chaplin usa a música de Brahms em O Grande Ditador, por exemplo. Assim, tomei outra das Danças Húngaras e disse ao Serran que aquele era o ´mood´ que eu queria para o filme." Assim, a música deu o tom, por assim dizer, e em mais de um sentido. Pois se Chaplin serve de referência inicial, é o grande Federico Fellini quem ocupa o centro de Onde Anda Você. Assim, Davi Tygel, que assina a trilha, faz um tratamento de Brahms à maneira de Nino Rota, o grande parceiro de Fellini em seus maiores filmes. Incorpora desde o universo circense do diretor italiano até um xote final, cantado por Fagner num momento de grande emoção da trama. Os cinéfilos poderão se divertir em catar referências e citações. Várias delas tiradas de 8 1/2, a obra-prima de Fellini, mas também uma alusão explícita ao final de Dona Flor e Seus Dois Maridos, em que um triângulo amoroso se resolve de maneira inusitada. De fato, o que desencadeia a crise de Felício é saber que sua mulher e musa, Paloma (Drica Moraes), o traiu com o amigo e parceiro de palco Mandarim (Wilker). É por isso que ele tentará refazer a carreira com auxílio de um comediante lendário, o tal Boca Dura. Essa busca pelo mítico remete também ao falso documentário Os Palhaços, em que Fellini busca traços de um cômico perdido na poeira do tempo e da memória coletiva dos circos. Fellini disse, Juca de Oliveira concorda, e isso é um consenso de quem sabe das coisas: todo palhaço vive de sua tristeza latente. Daí esse traço de melancolia que passa pelas atuações de cômicos como José Vasconcellos, Castrinho, Aramis Trindade, e o grande José Dumont, que tem veia cômica. Mas, enfim, se há melancolia nesse filme, ela é uma melancolia serena, sábia, de quem conhece o destino humano e se prepara para segui-lo com toda a dignidade. Essa tranqüilidade está impressa na forma mesma do filme, com sua serenidade, despojamento e beleza. "O nosso mundo anda muito embrutecido", diz Rezende. "Eu quis fazer um filme que fosse um bálsamo, que as pessoas passassem essa hora e quarenta minutos em um mundo de encantamento e delicadeza, que as revigorasse para este mundo real tão áspero." Proposta plenamente realizada.

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