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'Oldboy - Dias de Vingança' revela Spike Lee livre como nunca

Remake do cult coreano de Park Chanwook mostra diretor disposto a subverter regras de bom-gosto

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

 Há tempos Spike Lee nos deve o grande filme capaz de reanimar as expectativas dos que, por volta de 1990, consideraram sua explosão um dos eventos do cinema norte-americano da época. Spike Lee tornou-se porta-voz de um cinema militante negro. Atacou Clint Eastwood por seu retrato de Bird, acusando-o de reafirmar estereótipos sobre o jazzista drogado e, como reação, fez Mais e Melhores Blues, com Denzel Washington na pele de um músico tão asséptico que, aquele sim, era um negro de alma branca, como se dizia (e não sem um teor racista). Insurgiu-se contra Quentin Tarantino – por Django Livre – e, no fim do ano, quando o repórter o entrevistou no Rio (por conta de uma parceria com Seu Jorge), colocou nas nuvens 12 Anos de Escravidão, de Steve McQueen, como o filme que gostaria de ter feito.

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Spike Lee quase chegou lá – Oldboy – Dias de Vingança pode não ser um grande filme, e não é mesmo, mas é bom de ver, o melhor filme do diretor desde o poderoso Um Plano Perfeito, também com Denzel Washington. A militância política tem feito estragos na trajetória de Spike Lee, mas ele ainda é capaz de surpreender. E, num filme de encomenda como seu Oldboy, fica singularmente livre para provocar, implodir regras, subverter expectativas.

Por exemplo – por se tratar de um remake de um filme coreano cult, o Oldboy de Park Chan-wook, o espectador que vai ao cinema o faz com duas ou três ideias na cabeça. O original era muito violento, Spike Lee vai arreglar, para tornar seu filme palatável para os padrões de Hollywood? Não, ele fez um filme mais violento ainda. Vamos ver o protagonista, na pele de Josh Brolin, dilacerar o polvo vivo com os dentes, como no thriller de Chan-wook? Seria muito óbvio – Spike Lee deve ter achado que a cena ficaria redundante, porque ele já tem outra num tanque de peixes. Mas, cuidado, quando Brolin pega o martelo para matar, o estrago é incalculável.

A trama é basicamente a mesma. Brolin faz um alcoólatra miserável, devorado pelo sentimento de culpa – e o espectador, de cara, se pergunta por que; os motivos aparecem –, que é sequestrado e trancado num quarto, onde passa 20 anos. No filme de Chan-wook, eram 15. Spike Lee aumenta o período de cativeiro talvez para poder mostrar, na TV que mantém Brolin conectado ao mundo, eventos como a Guerra do Iraque e o 11 de Setembro. Ele não politiza mais essas imagens do que a descoberta que Brolin faz de que sua mulher foi assassinada. O homem acuado, que nunca desistiu de fugir, recupera sua liberdade e, numa jihad pessoal, parte em busca de quem o aprisionou. O filme mostra a investigação violenta do protagonista. Começam os dias de vingança.

Nos EUA, lançado no Thansksgiven, o Dia de Ação de Graças, Oldboy faturou míseros US$ 1,6 milhão – num feriadão de cinco dias –, o que selou sua reputação de retumbante fracasso. Podem-se buscar motivos para isso – Oldboy estreou com Hunger Games, e o público jovem estava mais interessado na saga da heroína interpretada por Jennifer Lawrence. Sua violência é excessiva, ao contrário da de Hunger Games, que se mantém nos limites do palatável, impregnada de certa aura romântica (a garota que vai mudar o mundo). Josh Brolin, por melhor que seja, não é um astro. Outros motivos,relacionados pela imprensa dos EUA, talvez pareçam mais obscuros.

O diretor, realmente, teve problemas com seus produtores, que o obrigaram a cortar o filme bastante em relação ao original. Para os seguidores – afro-americanos ou não – de Spike Lee, o crédito parece ter pesado bastante. ‘A film by Spike Lee’, não o usual ‘A Spike Lee joint’. Os fãs do diretor entenderam isso como se ele estivesse renegando seu filme e o público que fez do Oldboy coreano uma obra de culto simplesmente não foi ver a nova versão. Não sabem o que perderam. Os filmes de Spike Lee sobre gente branca não são seus melhores, mas este tem impacto, e um final forte.

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