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Ocupação no Itaú Cultural, em SP, privilegia vida e obra de Eduardo Coutinho

Dividida em 13 blocos, mostra contempla muita coisa da obra e da vida daquele que é considerado o maior documentarista brasileiro

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:
Ocupação Eduardo Coutinho é cheia de fotos, rica em objetos. Agrega exibições de trechos selecionados de seus filmes, que estarão passando em looping Foto: Felupe Rau/ Estadão

Eduardo Coutinho fumava muito, vivia envolto numa aura de fumaça, como uma chaminé. Contou certa vez ao repórter que lamentava não a perda das grandes viagens, porque não conseguiria ficar horas sem fumar, mas até prazeres mais simples, como ir ao teatro. Nesta quarta, 2, às 20 h, abre-se no Itaú Cultural, na Av. Paulista, a Ocupação Eduardo Coutinho, que segue até 24 de novembro. Dividida em 13 blocos, contempla muita coisa da obra e da vida daquele que é considerado o maior documentarista brasileiro. O cinzeiro de Coutinho (1933-2014) está lá, bem como a máquina Olivetti que ele gostava de usar, a cadeira em que sentaram seus entrevistados em Jogo de Cena, a câmera portátil que usou em Cabra Marcado para Morrer, uma antiga redação que escreveu na escola primária, intitulada Minha Infância.

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Coutinho, garoto, escrevia coisas como “Darei-lhe”, “Esquecerei-lhe”. Mais tarde, virou um grande frasista. “O que me interessa são as razões do outro, não as minhas”, e essa simples frase já o põe em rota de colisão com o mundo atual, onde o outro virou inimigo e suas razões nunca interessam. “Eu trabalho com a palavra, não tenho medo de trabalhar com a palavra.” E outra frase linda, reveladora. “Gostaria de poder dizer que o cinema é a minha vida e sem filmar não consigo viver, mas o certo talvez seja que filmo a vida dos outros porque a minha não tem a menor graça”, algo assim.

A ocupação resulta do trabalho integrado de dois núcleos do Instituto, o de Audiovisual e Literatura e o de Memória e Pesquisa, com cocuradoria de Carlos Alberto Mattos e a parceria do Instituto Moreira Salles, que detém o acervo do cineasta. É cheia de fotos, rica em objetos. Agrega exibições de trechos selecionados de seus filmes, que estarão passando em looping - Cabra Marcado, cuja produção, como obra de ficção, foi interrompida pelo golpe militar de 1964 (e retomada, anos mais tarde, como documentário), Santo Forte, Edifício Master, Peões, Jogo de Cena e especiais para o Globo Repórter, onde Coutinho encontrou refúgio durante os anos de chumbo. E mais - uma masterclass de João Moreira Salles, minicurso com colaboradores chegados e até o lançamento do livro Sete Faces de Eduardo Coutinho, de Carlos Alberto Mattos, coeditado pela Boitempo com o IMS e o Itaú Cultural. Tudo isso vai ajudar a lembrar um artista que celebrou a arte do encontro e fez grandes filmes nessa vertente que se chama documentário. Um cinema realista por excelência, ancorado no encontro com as pessoas comuns, mas também algo mais. Um cinema nas bordas, documentário, com um tanto de ficção, algumas ficções. 

No fundo, o que Eduardo Coutinho gostava de armar era um jogo de cena com seus entrevistados. E havia certos rituais, seus pedidos para que as pessoas cantassem diante de sua câmera.

A ocupação faz de tudo para impregnar aquela sala do térreo, naquele prédio da Paulista, da presença de Coutinho. Paulistano, nasceu em maio de 1933. Foi assassinado a facadas pelo próprio filho, que sofria de esquizofrenia, em fevereiro de 2014. 

De cara, o primeiro bloco brinca com o título de Últimas Conversas, documentário que ele deixou inacabado e foi concluído por João Moreira Salles, sendo lançado no Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade de 2015. Primeiras Conversas lembra o começo de tudo, incluindo os primeiros trabalhos documentais como aluno do Institut des Hautes Études Cinématografiques, o IDHEC, de Paris, onde o jovem Coutinho foi estudar, depois de vencer um concurso de perguntas sobre Chaplin

O cinzeiro e a máquina de escrever abrigam-se no bloco dedicado ao escritor acidental. E a ocupação resgata vídeos pouco conhecidos que realizou para o Centro de Criação de Imagem Popular/Cecip, além de anotações que ajudam a dar ideia do seu ‘método’ de trabalho, embora todo esse esforço não consiga trazer de volta o Coutinho que morreu no desfecho de uma verdadeira tragédia familiar.

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Como na velha história do encontro de Billy Wilder e William Wyler no enterro de Ernst Lubitsch. “Nunca mais Lubitsch”, disse um. “Pior - nunca mais os filmes de Lubitsch”, retrucou o outro. Porque os homens passam e a obra fica, e você pode pensar nos filmes maravilhosos que Coutinho não está mais fazendo e talvez dessem alento para se viver nesse Brasil que está ficando cada vez mais conservador, esse ódio a negros, gays, pobres, esse feminicídio sem fim, essa ausência daquilo que ele mais gostava e praticava - o diálogo.

O cinzeiro e a máquina de escrever (na foto) abrigam-se no bloco dedicado ao escritor acidental Foto: Felipe Rau/ Estadão

‘Ele tocou o sagrado do documentário', diz Carlos Alberto Mattos, curador da Ocupação Eduardo Coutinho

Por que a ocupação? Porque é praxe do Instituto homenagear grandes nomes da cultura brasileira e Coutinho é nosso maior cineasta dos últimos anos.

Foi difícil reunir o material? Coutinho não era muito organizado, mas muita coisa estava no Centro de Criação da Imagem Popular e esse material foi para o Instituto Moreira Salles, que detém seu acervo. Consegui coisas com a família e até o Ernesto Piccolo, que foi assistente dele, guardava a bolsa de que era inseparável.

O livro? Investiga todas as faces do Coutinho. Estudante, ficcionista, repórter, documentarista social, cineasta das conversas, autor experimental, personagem.

Algum favorito, entre seus filmes? Sim, ele tocou o sagrado com O Fim e o Princípio.

SERVIÇO: OCUPAÇÃO EDUARDO COUTINHO ITAÚ CULTURAL AV. PAULISTA 149; 2168-1777 ABERTURA 4ª (2/10), 20H. 3ª/6ª, 9H/20H. SÁB., DOM. E FER., 11H/20H GRÁTIS. ATÉ 24/11

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