Obra fala por Walter Lima Jr.

Cineasta que foi assistente de direção de Gláuber Rocha em Deus e o Diabo na Terra do Sol, dirigiu filmes remarcáveis como Inocência, Ele, o Boto e o recente A Ostra e o Vento

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Por Agencia Estado
Atualização:

Não rever os próprios filmes pode ser uma atitude válida para um artista que prefere olhar para o futuro. O fato é que o retrospecto de Walter Lima Jr., em perspectiva, revela-se mais do que satisfatório. De fato, o que se destaca em sua obra é mais a qualidade do conjunto que eventuais pontos altos - e isolados, como acontece com outros cineastas, inclusive com alguns dos seus colegas de Cinema Novo. Talvez sua formação explique em parte essa regularidade. Antes de se aventurar na direção, Lima Jr. foi crítico de cinema e cineclubista. Mergulhou nas obras de artistas que admirava, como John Ford, John Sturges, Howard Hawks - todos eles grandes narradores. Mas a virada decisiva em sua vida foi quando recebeu convite de Gláuber Rocha para ser assistente de direção em Deus e o Diabo na Terra do Sol, uma das obras-primas do cinema nacional e exemplo de síntese entre a inventividade e o compromisso político. Deus e o Diabo estréia em 1964, ano do movimento militar que depôs João Goulart. Pouco tempo depois, Walter Lima Jr. estréia na direção de longas-metragens com Menino de Engenho, adaptado do romance homônimo de José Lins do Rego. Desse encontro resultou uma obra clássica, respeitosa com o original, atenta ao clima do romance e suas nuances. Era já filme de diretor que dominava os segredos do métier. Lima Jr. incorporava, já nesse primeiro trabalho, os anos de reflexão cinematográfica acumulados em sua função de crítico. Somava a eles a grande quantidade de filmes que assistira e a experiência de haver trabalhado com um gênio como Gláuber Rocha. Se Menino de Engenho falava, de maneira clássica, da desintegração da família tradicional, Brasil Ano 2000 voltava ao tema, mas sob uma ótica que se poderia chamar de tropicalista. Lima Jr. representava o país caótico que surgira após alguns anos de ditadura e prefigurava o clima que se iria estabelecer depois do AI-5. O filme, como tantos outros que nascem do desespero, parece datado. Bem-sucedido e nascido da mesma fonte de Brasil Ano 2000, é Lira do Delírio, uma radiografia das contradições do País vista a partir do carnaval. Um filme poético, radical, incômodo, que resistiu ao passar do tempo. Entre os dois, o diretor fizera o experimental Na Boca da Noite, filmado em 16 milímetros, uma adaptação da peça O Assalto de José Vicente. Em seguida, veio Chico Rei, com roteiro de Mario Prata e ação situada em Minas durante do século 17. Faz também um documentário sobre sóror Joana Angélica, que viveu na Bahia do século 18. Walter Lima Jr. volta ao filão em que se sente mais à vontade com Inocência e Ele, o Boto, ambos já na década de 80. Nessa adaptação do romance do Visconde de Taunay, destacam-se a delicadeza e outra das características do diretor, a ênfase na relação do ser humano com a natureza. Elementos também presentes em Ele, o Boto, sobre a lenda amazônica do boto que se transforma em homem nas noites de Lua Cheia e seduz as mulheres. Essa ênfase permance nos dois trabalhos mais recentes, O Monge e a Filha do Carrasco e A Ostra e o Vento. No primeiro, Lima Jr. atua como diretor contratado, num projeto que não é o seu, mas ao qual imprime sua marca autoral, uma adaptação do romance de Ambrose Bierce. No segundo, um antigo sonho do diretor: levar para a tela o livro de Moacyr C. Lopes. Esse filme densamente poético, um dos melhores da fase de retomada do cinema brasileiro, mostra um diretor em pleno domínio de suas possibilidades, incluindo-se uma concepção narrativa que, com suas idas e vindas, consegue exatamente o que desejava o cineasta: colocar a ilha em que a menina solitária se apaixona pelo vento num desvão quase intemporal e mágico da realidade.

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