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O tempo na construção poética de Theo Angelopoulos

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

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São Paulo - Homenageado da 33ª Mostra, Theo Angelopoulos está longe de ser uma unanimidade, mas é um dos autores mais ricos do cinema atual. Justamente a França, país da cinefilia, não o tem em alta conta e Cahiers du Cinéma, uma das mais importantes publicações do mundo, o trata com certo desprezo. Angelopoulos é ‘pompier’, o que, segundo a revista, é o oposto do cinema autoral que defende.

 

 

Para reformular este pensamento, você pode ir hoje - deve - ao Shopping Frei Caneca, onde o Unibanco Arteplex, sala 5, apresenta uma programação inteiramente voltada ao cineasta. Começa com Um Olhar a cada Dia, prossegue com O Apicultor e se encerra com Trilogia - O Vale dos Lamentos. A ordem não é cronológica - o Olhar, também conhecido como Olhar de Ulisses, é posterior (de 1995) ao Apicultor (de 1986). E O Vale é a primeira parte da trilogia que prossegue com A Poeira do Tempo, exibido em Berlim, em fevereiro. Todos esses filmes formam um bloco de notável coerência estética e dramática.

 

Angelopoulos encara os mitos fundadores da cultura grega - e ocidental -, esculpe o tempo. Marcello Mastroianni faz o apicultor, este pai que nutre um sentimento incestuoso pela filha e que, no dia do casamento dela, larga tudo para reatar com uma tradição familiar. Seu avô era criador de abelhas e, em busca das flores que fornecem o melhor mel, Spyros, o apicultor, se põe na estrada. Ele carrega suas memórias. Encontra uma jovem que fala pouco e parece não ter ligação nenhuma com o passado.

 

A preocupação pelo passado reaparece em Um Olhar a Cada Dia, no qual um diretor greco-norteamericano volta à cidade em que nasceu, no norte da Grécia, para apresentar seu novo filme, mas na verdade o que ele busca é reencontrar imagens esquecidas de um velho clássico dos irmãos Manakis, pioneiros do cinema grego. O mito de Ulisses, o eterno retorno, constrói o olhar. Em O Vale dos Lamentos, primeira parte de Trilogia, o mito é de Helena, Eleni, como dizem os gregos. O filme viaja pela História (com H), acompanhando gregos expatriados que fogem do Exército Vermelho em Odessa, na Ucrânia, em 1919.

Em Odessa, naquela célebre escadaria, Sergei M. Eisenstein construiu um marco do cinema. Só que, ao invés da montagem, o cinema de Angelopoulos celebra o plano sequência. Um, em especial, é de uma beleza quase dolorosa. A terra é inundada e a água fica passado. Há um pedaço de terra neste mundo submerso. Uma mão, Eleni, pranteia seu filho. É magnífico.

 

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