'O som é local, agora é o Capão'

Caio Blat e Cássia Kiss comentam a remontagem do filme de Jeferson De

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Por Luiz Carlos Merten - O Estado de S.Paulo
Atualização:

Cássia Kiss tem certa relutância em se ver na tela, principalmente em trabalhos recentes. "Mas Bróder você vai ter de rever", diz o repórter. Ela pergunta por quê. "Porque o diretor (Jeferson De) remontou o filme. Tem menos música e mais Cássia Kiss." Cássia surpreende-se - "Mas eu gostava da música!" Caio Blat intervém. "Jeferson incorporou o silêncio, o filme ficou mais forte. Toda a cena inicial, quando desço a favela, é agora com som local. Saiu Jorge Ben, que era legal, mas ficava meio clipado, além de ser um sotaque carioca. Agora é o Capão."

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Caio Blat e Cássia Kiss conversam com o repórter num hotel da Berrini. O encontro, ontem pela manhã, foi justamente para que ambos pudessem rememorar a experiência da filmagem no Capão Redondo. Sérgio Penna foi o preparador de elenco. Blat lembra o exercício que Sérgio passou para eles. "Para favorecer a imersão nos personagens, ele reproduziu um dia do filme, a feijoada. A Cássia ficou desde cedo no fogão, preparando os ingredientes. Eu tinha de me dividir entre a casa, a cozinha e a parte de fora, onde estava a rapaziada. Lá e cá, a pressão da cozinha, a do boteco. Me deu uma angústia, um peso. Me refugiei no telhado da casa para respirar. Todo mundo gritava - cadê o Macu (meu personagem)? Cadê o Caio? E eu lá em cima."

O ator ficou mais tempo do que Cássia no Capão Redondo. "O Caio morou um mês lá, eu fiquei uma semana", conta Cássia. "Jeferson (o diretor Jeferson De) tirou uma família de casa e nos colocou lá dentro. O diretor de arte pôs alguma coisa necessária às cenas, uma janela foi aberta para facilitar a movimentação da câmera, mas no básico era a casa que já existia, com tudo o que pertencia àquela família. A casa, o cheiro, era tudo autêntico." Caio explica a intenção do trabalho de Penna. "A ideia era que a gente ficasse ali umas oito horas agindo e pensando como o personagem. Chega uma hora em que dá uma exaustão e a gente nem pensa mais. Fica só na situação, imerso dentro dela."

Em Gramado, ao agradecer seu prêmio de melhor ator, Blat disse que Jeferson De lhe permitiu realizar o sonho de ser negão. De onde vinha esse sonho? "Sempre tive a maior admiração e respeito pela cultura negra, pela música, pela dança." Cássia Kiss acrescenta. "Entendo isso. Com todo respeito pelo meu marido (e aponta o psicanalista João Baptista Magro Filho), quando jovem namorei um negro cuja pele chegava a ser azul." Ela volta, na lembrança, à casa do Capão Redondo. "Nosso objetivo é sempre contar uma história. No caso de Bróder, tinha de ser o Capão Redondo, daí o esforço de dar veracidade à história."

"Ontem (domingo), após a projeção do filme para os moradores, uma senhora veio me abraçar", conta Caio Blat. "Me disse que perdeu o filho há duas semanas, numa situação de violência como as que o filme mostra. Mas Bróder não é só violência. É também a história sussurrada, a vida como ela é, a feijoada. E ela se sentiu retratada na tela, por meio de mim reencontrou o filho. Chorava, mas com um sorriso de felicidade ponta a ponta na cara."

Blat ama o que faz, mas acha a profissão sofrida. "A gente sofre em todas as etapas, querendo acertar ao fazer, depois dando a cara a bater, esperando pela avaliação." Cássia não sabe se concorda. O que lhe interessa é outra coisa. "A precariedade fortalece as pessoas. É o que gosto de retratar." Durante a entrevista, ela recebe um telefonema de que foi premiada no Festival de Anápolis por seu papel em Os Inquilinos, de Sérgio Bianchi. Um prêmio não representa tanto. "Apenas o instante do agradecimento, quando a gente diz o que pensa. O que conta é a vivência, o sentimento."

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Minutos mais tarde, ela estoura num sorriso. "O prêmio tem dinheiro também!" Vai poder comprar aquele vestido. Ela retruca - "Vou comprar uma almofada para descansar minha bunda quando meditar, isso sim." Almofada cara, não? Cássia ri. O clima é de felicidade - pelo trabalho benfeito e a história bem contada.

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