"O Senhor dos Anéis" é um espetáculo visual

O filme, que teve sua première mundial na segunda-feira, reúne nomes consagrados como os veteranos Ian McKellen e Christopher Lee e jovens estrelas como as ?elfas? Cate Blanchett e Liv Tyler

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Por Agencia Estado
Atualização:

A transposição para as telas do primeiro episódio de O Senhor dos Anéis, A Sociedade do Anel, foi, por si só, uma saga épica de dimensões comparáveis às aventuras das personagens criadas por Tolkien, um intelectual cuja legião de seguidores é de uma lealdade religiosa. Só os números da produção já dão o tom do surrealismo desta operação: US$ 450 milhões foram gastos por uma equipe de produção de 2.400 pessoas, 26 mil figurantes, 900 armaduras, 2 mil armas, 1.600 pares de pés peludinhos para os Hobbits e orelhas pontiagudas e diversas para as várias espécies que povoam o universo tolkieniano. O cuidado com a parte visual foi acompanhado com a precisão na reprodução das línguas mencionadas por Tolkien, ele próprio um lingüista. Por isso, alguns atores tiveram de aprender a andar a cavalo, esgrima, além de estudar artes ancestrais e línguas como elvish, falada pelos elfos, criaturas imortais e que não envelheciam. Uma delas é personificada por Liv Tyler (Beleza Roubada). Tyler é Arwen, uma princesa elfa que se apaixona por Aragorn. Seu papel exigiu que a atriz aprendesse a andar a cavalo e falasse um pouco de elvish. Ficar 15 meses fora de casa, na longínqua Nova Zelândia, agora catapultada para o centro da atenção do mundo, foi especialmente duro para Liv: ?Eu acho que fui quem mais sofreu por estar tão isolada. Eu estava vivendo um paralelo interessante com a minha personagem que, no filme, está só, longe de quem ama... Foi tudo muito difícil, mas de uma forma maravilhosa.? As dificuldades das filmagens foram vencidas pela atriz que tem o maior respeito por Tolkien. ?Acima de tudo, este foi o maior feito da vida de Tolkien. Amo pensar nele como um professor de línguas em Oxford, fumando seu cachimbo, criando todas aquelas histórias na sua cabeça. O que faz as pessoas adorarem o livro é que é uma obra quase realista, como se fosse um livro de história. Era como se estivéssemos lendo a história do Império Romano. É fácil imaginar que as criaturas de O Senhor dos Anéis realmente existiram.? Magia ? Para quem não conhece a história: o futuro da Terra do Meio depende do destino de um anel, cujo paradeiro era desconhecido por séculos. O destino fez com que o anel mágico, originalmente de propriedade do sombrio Sauron, caísse nas mãos de um singelo Hobbit (seres baixinhos e puros e que amam as coisas simples da vida, como comer, fumar cachimbo e contar histórias) que, cercado de oito companheiros, formando assim a sociedade do anel, enfrenta a incrível tarefa de levar o anel para o local onde ele foi fundido. Todo tipo de obstáculo e malvadezas é esperado no caminho. Mas a sabedoria e o bom coração de várias criaturas estarão presentes nesta alegoria da eterna luta entre o Bem e o Mal. O filme, que teve sua première mundial na segunda-feira, reúne nomes consagrados como os veteranos Ian McKellen e Christopher Lee (vivendo respectivamente os magos Gandalf e Saruman), jovens estrelas como as ?elfas? Cate Blanchett e Liv Tyler, e num tour de force apresenta o jovem Elijah Wood, vivendo o hobbit Frodo Baggins, cuja jornada ao temível monte Doom, origem do anel e único local onde ele pode ser destruído, é uma viagem fantástica, recheada de eventos. No comando deste épico está um fanático pelo Senhor dos Anéis: o neozelandês Peter Jackson, de 40 anos, e que assina a direção, co-produção e é co-roteirista da trilogia cinematográfica inspirada em Tolkien. Aos 18 anos, Jackson assistiu a uma versão em animação de O Senhor dos Anéis e, desde então, sonha em ver esta história nas telonas. É difícil imaginar que este gordinho, que chega descabelado, de bermudas e descalço, foi o ?senhor? de uma empreitada que ninguém teve a ousadia de tornar realidade. Mas, como ele explica, não havia tempo para soçobrar a pressões ou mesmo entrar em pânico frente à tarefa hercúlea que ele tinha pela frente: ?Há dois aspectos na direção: um é o de dizer ?faça isso ou aquilo?. O outro é o de ser muito realista com a situação. Eu não podia me dar ao luxo de perder a calma pois, mesmo tendo a desculpa para tal, isso daria início a uma reação em cadeia. Senti que eu tinha de ser uma presença calma e segura durante todo o processo.? Visualmente, o filme é um espetáculo. A mitologia, as paisagens e criaturas imaginas por Tolkien para a Terra Média foram reconstruídas com um esmero imaginável há alguns anos, graças à tecnologia disponível hoje, como explica Peter Jackson. ?É claro que este filme poderia ter sido feito nos anos 60 e 70 e seria uma obra, no mínimo, diferente. Seria o produto daquela era. Hoje, vivemos num momento incrível de tecnologia, de computação gráfica, que nos permite reproduzir o que Tolkien imaginou. É incrível como tivemos de esperar até o fim do século 20 para termos uma tecnologia que levou 50 anos para conseguir reproduzir a visão de Tolkien.? E como filmar uma história até pouco tempo considerada ?infilmável?? ?Muitas pessoas cogitaram filmar mais de um filme de uma vez, mas a idéia de fazer três filmes ao mesmo tempo é tão louca que o projeto era interrompido antes de sua conclusão. No caso de O Senhor dos Anéis, só uma trilogia feita simultaneamente seria a solução. E o fato de ter sido uma produtora relativamente independente fez com que o projeto se materializasse. Isso porque Hollywood não se arrisca mais, já que os estúdios são gerenciados por contadores?, diz Peter Jackson. Seguro de ter feito uma obra-prima cinematográfica, Jackson diz já ter duas idéias para seus futuros filmes, mas que seu ápice profissonal está mesmo com a trilogia de Tolkien: ?Daqui para frente, eu vou ladeira abaixo?, diz sinceramente. ?Eu fiz o projeto mais ambicioso da minha vida. Agora é um momento em que, o que vier depois, vai ser sempre mais fácil do que vivi nos últimos longos anos.? O projeto levou seis anos entre a pré-produção e a estréia da primeira parte da trilogia e há dois mais pela frente. As filmagens tomaram 15 meses do processo e se tornou uma chance de viver uma vida paralela, mágica, para pessoas como o jovem Elijah Wood. Um dos raros atores-mirins de Hollywood a não ter sucumbido às drogas ou às más companhias, Wood começou a filmar Frodo, o Hobbit, detentor do anel de Sauron, com 18 anos e terminou com 20. Num currículo que inclui colegas de trabalho tão diversos como Mel Gibson (Eternamente Jovem), o golfinho Flipper (Flipper) e Christina Ricci (Tempestade de Gelo), a carreira de Wood ganha o passaporte para o mundo adulto com sua interpretação de Frodo, um papel que ele batalhou para conseguir. O jovem soube que estavam procurando um ator para viver Frodo. Ele fez o teste, não ficou satisfeito com sua performance e resolveu fazer o próprio vídeo de sua atuação. Alugou roupas, contratou uma treinadora de sotaques e mandou a fita para Jackson. O resto é história, ou melhor, a realização de um sonho. ?Foi uma honra... Não tenho palavras para dizer o que foi participar desse filme. Eu vivi na Terra Média por um ano e meio, num mundo à parte. Foi tão triste quando tudo acabou. Fiquei bem mal. Tive de me isolar por um tempo. Estava com medo de aceitar outro papel. Precisei hibernar por um período, para me recuperar de tudo o que vivi.? Quando foi lançado, O Senhor dos Anéis virou o mundo editorial de cabeça para baixo, com críticos comparando a obra do lingüista Tolkien a clássicos escritos por Homero e Chaucer. No fim dos anos 60, o livro já tinha sido adotado pela contra-cultura como um símbolo da batalha contra a corrupção, a destruição da natureza, como um grito pacifista contra as guerras ou as ditaduras. Um dos representantes do Mal é o temível Saruman, mago que, um dia, encabeçou o Conselho de Sábios mas sucumbiu à perigosa tentação de buscar obter o anel e se tornar assim o senhor das trevas. Tal personagem não poderia ter tido melhor intérprete que o inglês Christopher Lee que, aos 79 anos, participa de dois megaprojetos cinematográficos, sendo a nova trilogia de Guerra nas Estrelas, a segunda. Amor e poder ? O melhor Drácula de todos os tempos, Lee acumula mais de 300 filmes e programas de TV em mais de 50 anos de carreira. O ator, que chegou a ser apresentado a Tolkien (mas não trocaram mais do que um ?como vai o senhor??), acha que seu personagem é fascinante pois mostra o perigo do amor pelo poder. ?O mundo está cheio de histórias de guerras e mortes decorrentes do perigo do amor pelo poder. Eu sempre fui fascinado por esse amor pelo poder e que está presente em todos os vilões. Por isso, acho que esses personagens darks que faço são interessantíssimos, pois eles têm amor pelo poder. Eles podem ser charmosos, gentis, divertidos, ótimos pais e maridos e ainda serem terríveis. É isso que me fascina.? Dois ?humanos? participam do filme, ao lado de quatro hobbits, um elfo, um mago e um anão (vivido brilhantemente por um dos atores mais altos do elenco: John Rhys-Davies, o Sallah em dois Indiana Jones). São eles: Sean Bean que, no papel de Boromir, faz um personagem que retrata o aspecto humano de cair em tentação e por pouco não rouba o anel seduzido por seu poder, e Aragorn, interpretado por Viggo Mortensen (Um Crime Perfeito), uma espécie de paizão do grupo. Cabe a Mortensen e Liv Tyler viver a única cena romântica da primeira parte da trilogia de Tolkien. Uma seqüência que causou furor entre os integrantes dos inúmeros grupos de fãs do clássico de Tolkien que idolatram as histórias e defendem a integridade das histórias assinadas pelo inglês. Mas, na versão cinematográfica de Jackson, a personagem de Tyler, Arwen, é uma princesa elfa só mencionada no livro, enquanto, no filme, ela é de ?carne e osso? e troca juras de amor com Aragorn. Mas se Viggo Mortensen teve a chance de trocar um look of love com alguém no filme foi também quem mais sofreu mais fisicamente nas filmagens. Ele perdeu um dente numa cena de batalha. ?A trilogia não é um tipo de filme limpo. A gente estava sempre sujo, com frio, suados, sangrando, com cortes e hematomas pelo corpo todo. Dávamos o melhor de nós mesmos e acabávamos sempre exaustos. Numa cena de luta, acabei perdendo um dente que nem sei onde foi parar.? A proximidade das estréias torna uma comparação com Harry Potter inevitável, mas equivocada. Os dois filmes se inspiram em histórias fantásticas, mas o aprendiz de feiticeiro criado por J. K. Rowling foi escrito para um público mais jovem. Já o épico de Tolkien vai alguns degraus abaixo. A profundidade de O Senhor dos Anéis é mais dark e pode gerar pesadelo nos mais sensíveis.

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