O lobo do Senhor

Marc Foster reinventa 'O Caçador de Pipas' em 'Redenção', com Gerard Butler

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Logo na abertura de Redenção, um letreiro informa que se trata da história de Sam Childers e, no final, o biografado é visto em cenas com a mulher e a filha, ou em seu habitat africano. A história do novo filme de Marc Foster é real, portanto, mas devidamente romantizada por Hollywood.

 

Numa cena, o personagem, improvisado em pregador, discursa para os fieis de sua igreja e diz que Deus não quer um rebanho de ovelhas, mas uma matilha de lobos de dentes afiados para lutar contra o mal. O próprio Childers oferece um exemplo radical de redenção. Criminoso, drogado, sexista, o Cavalo Louco, como é chamado, vira crente e dá uma guinada violenta.

 

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Atraído pelo que ouviu de outro pastor, ele vai à África, mais exatamente ao Sudão, e se dedica a salvar as crianças que são as grandes vítimas da guerra civil que consome o país. A primeira cena é de massacre numa aldeia. A milícia que serve ao ditador invade o local e promove uma chacina. Um garoto empunha a clave e é forçado a um ato bárbaro. Este garoto voltará no relato, em forma de flash-back. E será ele o agente da transformação definitiva de Childers, daquilo que nem Deus nem o diabo conseguiram.

 

O filme é produzido e realizado por Marc Foster, produzido e interpretado por Gerard Butler. Ou seja, o envolvimento de ambos é total. Uma organização humanitária, que trata das relações entre EUA e África, monitorou a produção e deu seu aval. Durante todo o tempo, o personagem, mesmo quando usa a palavra - para pregar a verdade do Senhor -, enfatiza a importância da ação. Childers tem urgência. E ele reza na Bíblia daquele padre de O Exorcista, de William Friedkin. Quando o exorcismo falha, o demônio tem de ser expulso a socos do corpo de Regan.

 

Butler também bate e arrebenta em Redenção. Ao menino que se recusa a falar, ele diz que, às vezes, é preciso se abrir. Quando o menino se abre é para dizer que, por maior que seja o trauma, não se deve ceder ao ódio. Em caso contrário, o diabo terá vencido.

 

Redenção é um filme romanesco, mais para Diamante de Sangue, de Edward Zwick, do que para Minha Terra, África, de Claire Denis. Com esse último, comunga a ideia de que a humanização dos meninos/soldados é a esperança africana. Redenção pode não ser bom de verdade, mas é bom ver Redenção. O trauma do passado, o resgate da infância, a segunda chance, tudo remete a O Caçador de Pipas, também de Marc Foster. São filmes gêmeos e, se o outro é melhor, este não deixa de propor um debate (necessário) sobre a indiferença como mal do século.

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