"O Lixo e a Fúria" humaniza o punk inglês

Documentário de Julien Temple, que estréia nesta sexta-feira, revê a Inglaterra do final dos anos 70 para retratar a banda Sex Pistols

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Por Agencia Estado
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Julien Temple é um dos cronistas visuais do punk rock. Mais precisamente o responsável pelas imagens em movimento de uma das bandas mais significativas do gênero: os Sex Pistols. Em 1980, o diretor inglês já havia realizado o hilário The Great Rock´n´Roll Swindle, com direito à participação de Ronald Biggs (o agora combalido assaltante do trem pagador), tomadas cariocas e Sid Vicious cantando My Way em Paris. Em 1999, Temple retornou ao grupo que decretou a anarquia no Reino Unido e concebeu o impressionante documentário O Lixo e a Fúria (The Filth and the Fury), que estréia nesta sexta-feira, em São Paulo, após concorridas exibições na Semana do Cinema: Brasil & Independentes, Mostra Rio BR e na 24.ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. "Algumas pessoas disseram que O Lixo e a Fúria é uma resposta a The Great Rock´n´ Roll Swindle, mas não vejo dessa forma. Prefiro acreditar que filmei um outro lado daquela história apresentada há 20 anos. No máximo, uma continuação", diz Temple em entrevista de sua produtora em Londres. "The Great Rock´n´Roll Swindle tinha uma proposta satírica. Na época, os Pistols eram tão idolatrados quanto Rod Stewart e Bay City Rollers pela garotada." De fato, O Lixo e a Fúria não brinca em serviço. Antes de tudo, o documentário situa o espectador no tumultuado panorama sociopolítico da Inglaterra no fim dos anos 70. Alto índice de desemprego, greves, intolerância racial, fragilidade da gestão do Partido Trabalhista versus crescimento político da ultraconservadora Margaret Thatcher. O caos mais do que propício para o surgimento do punk na terra da realeza. "Por aqui, os garotos punks eram filhos da classe operária. Estavam todos revoltados e agressivos", diz ele, estabelecendo as diferenças entre o levante britânico e a movimentação norte-americana que já existia quando o grupo Sex Pistols foi formado em novembro de 1975. "O pessoal de Nova York (Ramones, Blondie, Television, Patti Smith, entre outros) tinha um caráter mais intelectualizado e underground. Eram pessoas um pouco mais velhas e com outras referências culturais." As diferenças de formação entre punks da América e do Reino Unido são realmente gritantes. A ponto de a compositora Patti Smith ter lido o poeta francês Baudelaire na adolescência e os pistols Steve Jones e Paul Cook serem experts na "arte" do furto (os instrumentos e aparelhagem de som usados pela banda foram surrupiados de David Bowie). "Quando criança, eu sempre via meus pais roubando coisas no mercado, aprendi cedo", diverte-se Paul Cook numa das passagens do documentário. Por falar em depoimentos sobre a infância , eles são os grandes atrativos de O Lixo e a Fúria. "Eu assistia aos shows do Roxy Music na televisão e achava que os músicos vinham do céu", confessa Steve Jones. "Minha mãe era fã de Alice Cooper e ouvíamos seus discos quando eu chegava da escola", lembra Johnny Rotten, atual John Lydon. A idéia de O Lixo e a Fúria é "humanizar" os Sex Pistols? "Exatamente. Pode parecer ridículo, mas as pessoas se esquecem que seus ídolos têm uma vida familiar, por exemplo. Veja a fixação de Rotten em Alice Cooper, é uma coisa que vem de berço." "O Lixo e a Fúria" retrata com maestria o conflito entre Johnny Rotten e o controverso empresário Malcolm McLaren. Em dado momento, McLaren afirma que criou os Sex Pistols como se eles fossem suas obras de arte. "Foi como fazer escultura. A diferença é que eu usei pessoas em vez de barro", diz o ex-proprietário da loja Sex, ponto de encontro dos futuros Sex Pistols. "Ninguém me inventa", rebate, categórico, Johnny Rotten. Para Temple, há certos excessos da parte do empresário. "Do ponto de vista de marketing é evidente que ele teve importância, Malcolm era bem relacionado na mídia e tinha bons contatos. Agora, a musicalidade, as letras e a atitude vinham dos integrantes." No entanto, o diretor não acredita que os Sex Pistols pudessem durar mais do que sua meteórica passagem pela música pop. "Quando Rotten deixou o grupo em 1978, as relações entre integrantes, companhias de disco e o próprio MacLaren estavam completamente deterioradas." E a rápida volta do grupo aos palcos em 1996 na turnê Filthy Lucre (que passou pelo Brasil para constrangedores shows no festival Closeup Planet)? "Eu me lembro de ter ouvido no rádio alguma coisa sobre, mas não vi nenhuma dessas apresentações. Ele não se entenderam de novo." Como testemunha ocular do punk inglês qual outro grupo Temple gostaria de filmar? "Sempre que via The Clash tocando ao vivo, pensava em fazer alguma coisa. Eles eram incríveis." O cineasta que rendeu homenagens a David Bowie em outra de suas produções, Absolute Beginners (1986), e assinou videoclipes de artistas tão díspares quanto Whitney Houston, Sade, Rolling Stones e Janet Jackson - "só trabalho, só trabalho", despista - é hoje um aficionado por jazz. No final da entrevista, surpreendentemente, Temple manifesta o desejo de fazer um longa-metragem sobre o rapper Tupac Shakur, morto em um tiroteio em 1996. "Ele tinha muito do espírito do punk." Como os cultuadores mais tresloucados de Elvis Presley e Jim Morrison, alguns fãs acreditam que o rapper teria forjado a própria morte. E continua vivo por aí. "É uma boa história, mas infelizmente Tupac Shakur morreu", lamenta. O Lixo e a Fúria (The Filth and the Fury). Documentário. Direção de Julien Temple. Ing/99. Duração: 105 minutos. 14 anos.

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