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'O Leitor' leva a atriz Kate Winslet a ganhar o Oscar

Stephen Daldry faz boa costura de assuntos e trata tema da colaboração voluntária com o regime de Hitler

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Interessante a história desse O Leitor, de Stephen Daldry (de Billy Elliot). Primeiro, ela nos joga na sempre tensa relação entre amantes de idades muito diferentes.Depois, nos faz ver um pano de fundo (que, aos poucos salta à frente) referente ao Holocausto, essa eterna ferida que são os campos de concentração e extermínio da 2.ª Guerra. Sobre esse tema particular – o Holocausto – existem duas maneiras básicas de tratamento.    Veja galeria de fotos da cerimônia do Oscar  Assista ao trailer de 'O Leitor'  Especial do Oscar   Kate Winslet, a vencedora do Oscar 2009 como melhor atriz. Foto: EFE   A denúncia direta, do tipo A Lista de Schindler, de Spielberg ou do mais recente O Menino do Pijama Listrado.(Inútil compará-los com uma obra-prima como Noite e Neblina, de Alain Resnais. ) Ou a menção em filigrana, como um pano de fundo que, tentacular, se insinua do passado para o presente e revela-se vivo, atuante e ameaçador, sob formas simbólicas mais elaboradas.Essa foi a estratégia de Nicolas Klotz em seu brilhante A Questão Humana, ao mostrar que o "discurso" nazista, na modalidade particular da burocracia do extermínio, se recicla na linguagem gerencial das grandes corporações contemporâneas.    Daldry não chega a tanto.Mas, se perde em sutileza em relação a Klotz, toca num ponto que talvez seja ainda mais delicado – o da colaboração voluntária do cidadão comum alemão com o regime de Hitler em seus piores aspectos.De certa forma, o filme repete as clássicas perguntas feitas aos alemães no final do conflito: "Onde você estava durante a guerra?O que fazia?O que sabia?" A inteligência do filme é deixar tudo isso em estado de latência enquanto ambienta a história nos anos 50, portanto já alguns anos distante do final da guerra.Envolve o espectador num caso interessante de amor entre um garoto de 15 anos, Michael (David Kross) e Hanna, mulher mais madura (Kate Winslet, no papel que lhe deu o Globo de Ouro e o Oscar de melhor atriz).   Há um encanto assimétrico nessa relação, pois a balzaquiana inicia o menino no amor, inclusive físico, e, em troca, pede que ele leia para ela alguns livros clássicos.Michael é o "leitor" do título.E a narrativa passa pelos seus olhos, já em sua fase adulta (agora interpretado por Ralph Fiennes), chamado a reencontrar a antiga amante da adolescência, em outras e piores circunstâncias. São duas vidas que seguem entrelaçadas, mesmo a distância.De um lado a iniciação sexual; por outro, o menino que cresce, estuda, entra para a Faculdade de Direito e acompanha o julgamento tardio de pessoas que teriam trabalhado nos campos de extermínio.Num aspecto, é a Alemanha purgando-se dos próprios pecados.Em outro, o menino, que nada tem a ver com tudo aquilo, pois não tinha idade para ter participado do que quer que fosse durante a guerra, vendo-se atingido pela infâmia, ainda que indiretamente.   Como se a culpa fosse um patrimônio coletivo às avessas, uma espécie de pecado original que as novas gerações herdam das antecessoras.   O interessante é a maneira como Daldry costura temas tão diversos: o sexo entre idades diferentes, os ecos do nazismo, a leitura e o analfabetismo. Mais ainda: ao entrar no centro da história, no tema delicado do extermínio dos judeus, evita o que é o lugar-comum nesse tipo de história.Esses clichês se resumem em duas atitudes complementares.Por um lado, tratar seus agentes como monstros incompreensíveis, praticamente exteriores à condição humana; por outro, aceitar a desculpa de que apenas cumpriam ordens, como fizeram alguns carrascos nazistas sob julgamento.Eles não tinham culpa de nada porque as ordens sempre vinham de uma instância superior.Cabia a eles cumpri-las e ponto.Não.   Daldry restabelece aqui a margem da responsabilidade moral e das opções pessoais, possíveis mesmo em situações-limite. O Leitor é a soma de todas essas características, uma mistura, diga-se, nem sempre bem balanceada entre a dureza do tema e um certo tom ameno da realização.Ou seja, não é um filme perfeito, longe disso.Mas, tudo considerado, é muito acima da média e revela Kate Winslet como atriz capaz de nuances e intensidade – o que bem pode lhe valer a premiação da Academia. O Leitor também concorre nas categorias de melhor filme, direção, roteiro adaptado e fotografia.A história baseia-se no romance homônimo de Bernhard Schlink, lançado aqui pela Record.      O Leitor (The Reader, Alemanha-EUA/2008, 124 min.) – Drama. Dir.Stephen Daldry. 16 anos. Cotação: Bom 

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