'O Jovem Ahmed' é filme despojado e intenso sobre menino que se torna um radical religioso 

Em exibição na 43.ª Mostra de Cinema, longa dos irmãos Dardenne impressiona pela sua capacidade humana ao retratar o delicado campo do fanatismo

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
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Da sua maneira, despojada e intensa, os irmãos Dardenne procuram entender o apelo à violência entre jovens de origem islâmica radicados na Bélgica. O Jovem Ahmed, em cartaz na 43.ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo hoje, fala diretamente desse personagem. Ótimo aluno, embora tenha sido disléxico na infância, Ahmed, agora na adolescência, recusa-se a dar a mão para sua professora – pelo simples fato de ela ser uma mulher. Ahmed toma essa atitude inspirado em seu imã, seu mentor espiritual e um homem muito radical. 

Idir Ben Addi interpreta o jovem Ahmed no longa dos irmãos Dardenne Foto: Christine Plenus/ Divulgação

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Se num primeiro momento Ahmed (Idir Ben Addi) simplesmente se recusa a cumprimentar a mestra – justamente ela, responsável pela cura de sua dislexia –, passa depois a alimentar uma crescente hostilidade, a ponto de tentar matá-la. Por fim, é enviado a um centro de reeducação instalado numa fazenda. Lá, ele conhece uma garota mais ou menos de sua idade (13 anos), Louise (Victoria Bluck), que parece se interessar por ele também. 

A arte dos Dardenne consiste em filmar suas histórias de maneira muito próxima aos personagens. Como se quisesse penetrar em suas almas e entender suas motivações. Compreender, essa é a palavra que parece guiar um cinema bastante realista, muito antenado nas questões sociais que afloram, mesmo em uma sociedade tão avançada quanto a belga, e que não transforma seus personagens em teses, guardando sua dimensão humana. Ou seja, busca o que neles existe de contraditório, de frágil e incerto. Parece insinuar que, através de frestas, algum avanço pode ser feito. Mesmo num caso como esse, em que o fanatismo religioso incorpora-se a um jovem vivendo no interior de uma sociedade laica. 

Os irmãos Luc e Jean-Pierre Dardenne tornaram-se mundialmente conhecidos por seu Rosetta (1999), filme sentido como um soco em uma Europa afluente, muito confiante em seu estado de bem-estar social para prestar atenção aos marginalizados desse sistema. No caso, uma mocinha que, de maneira muito simples, quer apenas um emprego para se inserir na sociedade. Com o filme, o público foi apresentado a um estilo de filmar, com a câmera rente à personagem, em longos planos em sequência, densos de sentimento e significado. 

Com o tempo foram apresentando outros trabalhos de sucesso, como A Criança, O Silêncio de Lorna e A Garota Desconhecida. Filmes fortes, discutindo questões sociais e impasses morais. Cinema adulto. Mas parte da crítica parece que foi enjoando do approach cinematográfico dos irmãos, que passaram a ser acusados de repetição. Seria o caso de reprovar um filme de Fellini porque se parece a um filme de Fellini, ou um Woody Allen porque também é reconhecível, e assim por diante. 

Outra maneira menos birrenta de ver o mundo é reconhecer uma trajetória marcada pela virtude rara da coerência. Do ponto de vista temático, os Dardenne mostram-se plugados nos desafios propostos pelas sociedades contemporâneas. Apesar de belgas, parecem não acreditar em utopias de bem-estar e mostram os desafios do indivíduo frente à impessoalidade do Estado. Em A Garota Desconhecida, havia embutida a questão dos imigrantes frente ao drama de consciência de uma jovem médica (Adèle Haenel). Agora, em O Jovem Ahmed, é a questão do radicalismo. Como enfrentá-lo sem recair na armadilha da xenofobia, essa sim letal? Também são criticados por finais tidos como redentores. Mas esses talvez sejam expressão simples da fé que, apesar de tudo, mantêm na humanidade. Ao apresentarem um personagem tão problemático quanto este garoto Ahmed, os Dardenne recusam-se a considerá-lo um caso perdido. Esse é o traço de um cinema humanista e coerente em sua proposta e crença. 

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