"O Jantar", do mestre Ettore Scola

Um dos últimos grandes diretores do cinema italiano, Scola que fez sempre política no cinema. Continua fazendo. Embora a análise dos sentimentos pareça predominar em O Jantar

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Por Agencia Estado
Atualização:

O tempo passa e Ettore Scola não perde a classe. Permanece como um dos últimos grandes do cinema italiano. Poucas cinematografias se degradaram tanto no mundo. A Itália já foi um país forte no cinema. Os mestres morreram e não encontraram sucessores à altura. A nova geração é quase sempre anódina, com uma ou outra exceção (Nanni Moretti e, vá lá que seja, Roberto Benigni). Mas há esperanças. O prêmio do público para Os Cem Passos na recente Mostra Internacional de Cinema São Paulo consagrou um filme denso, generoso e politizado que poderá reabrir o diálogo do cinema italiano com o público internacional. Scola e o tempo, justamente. É um cineasta do tempo, basta citar O Baile, A Família e Splendor, filmes que sintetizam décadas da história italiana em ambientes fechados (um salão de danças, um apartamento, um cinema). A concentração do cenário volta em O Jantar. O filme passa-se todo num restaurante. Desta vez não existem as diferenças de épocas. As pessoas chegam, jantam, confraternizam ou brigam e, por meio delas, Scola traça o seu retrato da Itália hoje. Ele mesmo diz que está numa fase de transição. Não vê motivos para otimismo, mas também não sente por que ser excessivamente pessimista em relação ao seu país e o mundo. Ex-militante do Partido Comunista Italiano, o PCI, Scola fez sempre política no cinema. Continua fazendo. Embora a análise dos sentimentos pareça predominar em O Jantar, o quadro não é menos político, veja-se a oposição entre o salão e a cozinha. O próprio Scola ironiza. "Tudo é política, até o desenho mais inócuo da Disney". Herdeiro da grande tradição da comédia italiana, Scola surgiu na vertente aberta por Luigi Comencini e Dino Risi. Colaborou muito com esse último, como roteirista - em filmes hoje considerados clássicos como Uma Vida Difícil, Aquele Que Sabe Viver e Os Monstros, para citar os mais famosos. Suas comédias têm sempre uma dimensão social, revelam uma preocupação política. Feios Sujos e Malvados, Nós Que Nos Amávamos tanto, O Terraço, Um Dia muito Especial, Casanova e a Revolução. É longa a lista de grandes filmes dirigidos por Scola. É um humanista, o que que significa que é um ET nestes tempos de globalização. Alguma coisa da discussão sobre a esquerda feita em filmes como Nós Que Nos Amávamos Tanto e O Terraço parece hoje datada, sem anular a beleza desses filmes. Scola sabe disso e fez Mário, Maria e Mário e A História de um Jovem Homem Pobre para refletir os novos tempos. O primeiro mostra os órfãos do PCI, o segundo trata do conformismo dos anos 90. Não há um só de seus filmes que não seja bom, mas as obras-primas talvez sejam Um Dia muito Especial, com sua análise da dona de casa e do homossexual marginalizados pelo fascismo, e Casanova e a Revolução, que discute o pluralismo de idéias, prova de que Scola podia ser comunista histórico, mas deplorava a intolerância tanto de esquerda quanto de direita. E há um filme especial, um momento mágico do autor. Capitão Tornado celebra o espetáculo, a fantasia e a alegria de viver, misturando Shakespeare, a Commedia dell´Arte e o romance picaresco com tanta graça que faz parte das emoções inesquecíveis que um espectador pode ter no cinema. O Jantar (La Cena). Drama. Direção de Ettore Scola. It/98. Duração: 96 minutos. 12 anos

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