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‘O Iluminado’, clássico de Kubrick, volta às telas

Longa de 1980 reestreia em tela grande e cópia recuperada.

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Kubrick, sabemos todos, era um perfeccionista. Seus ângulos de filmagens, os movimentos de câmera, as cores e simbologia empregadas – nada disso aparece de maneira gratuita. Cada elemento tem sua função.

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Juntos, constituem a própria linguagem cinematográfica, indissociável do "conteúdo" expresso na história. Este provém de um romance homônimo escrito por Stephen King. O candidato a escritor Jack Torrance (Jack Nicholson) aceita emprego de zelador no Hotel Overlook, nas montanhas do Colorado, estabelecimento que fecha durante o inverno. Torna-se inacessível quando cercado de gelo. A Torrance, o isolamento parece ideal para escrever o romance com que sonha iniciar carreira literária. Leva para o hotel a mulher, Wendy (Shelley Duvall), e o filhinho, Danny (Danny Lloyd).

O garoto Danny é o "iluminado" do título – aquele que enxerga o que os outros não podem ver, dom que nem sempre se constitui em vantagem para quem o possui. Danny é quem intui que alguma coisa de muito errada aconteceu naquele hotel no passado. É a mente lúcida que enxerga o que seu pai apenas sofre. Sim, porque, progressivamente, Jack Torrance vai sendo tomado por um processo alucinatório do qual não existe escapatória. A terceira pessoa envolvida, Wendy, esposa e mãe, está na mais apavorante das situações – a de quem nada entende do que se passa e precisa apenas se salvar, e ao filho.

A arte de Kubrick consiste em envolver uma situação de aparente normalidade nas trevas da loucura e do desconhecido. E o faz de maneira progressiva e insidiosa, prendendo o espectador em suas malhas de suspense e terror. O caminho da sanidade à loucura, do racional ao irracional, da luz às trevas é trilhado com senso de geometria, em que cada elemento conta. Do uso dos grandes espaços (os corredores intermináveis do hotel tornaram-se peça de antologia cinematográfica) à música envolvente de Wendy Carlos, com temas de Bártok, Ligeti e Penderecki, compositores favoritos de Kubrick. Do manejo original da câmera (o steady-cam nas cenas do velocípede e em outras) ao clima aterrorizante de um passado que devora o presente, como na foto em que um personagem aparece num baile dos anos 1920, ao som da melódica canção Midnight, the Stars and You. Tudo é mistério. E mistério que nem sempre se resolve uma vez terminada a história. O Iluminado é um filme que fica com o espectador, a perturbar-lhe o imaginário e a fertilizar sua fantasia.

Além dos elementos de invenção cinematográfica de Kubrick, Nicholson tem uma presença muito forte como o alucinado Jack Torrance. Existe quem ache sua interpretação over, mas, enfim, era a que se pedia para o momento, a história e o personagem. Over ou não, sua composição do papel é tão marcante que serve de modelo até hoje para filmes do gênero. Serviu, por exemplo, para a composição do personagem de Marat Descartes no recente Quando Eu Era Vivo, de Marco Dutra. Num mundo em que tudo se gasta rapidamente, um ator servir de inspiração a outro 34 anos depois não é fato a ser negligenciado.

O ILUMINADOTítulo Original: The Shining. Dir.: Stanley Kubrick. Gênero: Terror(EUA/ 1980, 150 min) Classificação: 16 anos

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