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'O Exercício do Caos' é um filme instigante, apesar de imperfeito

Diretor imerge no imaginário popular e incorpora à narrativa crenças que impregnam a visão do mundo do homem rural

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

O próprio diretor de O Exercício do Caos, Frederico Machado, sabe que fez um filme imperfeito. Falou abertamente sobre isso na primeira apresentação do seu longa de estreia, em Curitiba, no Festival Olhar de Cinema.

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Mas suas imperfeições não lhe roubam o interesse. Pelo contrário, elas advêm menos de supostas insuficiências do diretor do que de sua disposição ao risco. Quem se arrisca, erra. Quem não se arrisca, além de não petiscar, arrisca-se a fazer uma obra certinha, porém burocrática.

Enfim, há desacertos, mas também encanto nessa história um tanto estranha de um pai que mora com suas três filhas no meio do mato. A história é lacunar e lacônica. Há pouco diálogo entre esse pai (Auro Juriciê) e as filhas (Thalyta Souza, Isabela Souza e Tainá Souza). A mãe (Elza Gonçalves) não faz mais parte desse quadro familiar. Reaparece na memória dos personagens e em seus fantasmas – que é o termo psicanalítico correto para fantasias inconscientes. Mas, mesmo aqui, ficamos na dúvida sobre se é de fato a mãe real, ou apenas uma entidade imaginada para, digamos, preencher uma falta. Lacuna que é a estrutura própria daquela família.

De toda forma, O Exercício do Caos parece muito mais um discurso articulado pelo inconsciente, com seus absurdos e seu tom noturno, do que por uma consciência solar e racional.

Mesmo porque, sem a figura materna esculpida de maneira concreta, a casa é assediada por um não menos misterioso capataz (Di Ramalho), pronto a exercer uma estranha autoridade sobre o pai.

Em certo sentido, O Exercício do Caos tem parentesco com O Homem que Não Dormia, de Edgard Navarro. Com certas diferenças óbvias – Navarro é diretor mais tarimbado (autor de O Super Outro e de Eu Me Lembro, vencedor do Festival de Brasília) e pode se permitir voos mais ousados, como uma imersão completa no inconsciente e no mundo das crendices populares brasileiras, caso de O Homem que Não Dormia.

Frederico, em seu primeiro longa, se contém um pouco mais. No entanto, não deixa de ser interessante observar como, ele também, a exemplo de Navarro, imerge no imaginário popular, e incorpora à narrativa crenças que impregnam a visão do mundo do homem rural. Especialmente numa situação como esta, um tanto atemporal, em que não se veem os signos da modernidade que hoje se encontram em qualquer canto.

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Outra qualidade é a disposição do diretor em extrair ao máximo a potencialidade das imagens, sem se amparar na muleta dos diálogos explicativos, como fazem muitos diretores mais experimentados. Se o cinema é audiovisual, quer dizer, se ampara tanto na linguagem verbal como na das imagens, é nesta última que deve construir a sua especificidade.

Trabalhando na zona cinzenta de fronteira entre o real e o mágico, Machado se instala naquele território do fantástico bem descrito por Todorov em sua obra clássica sobre a literatura fantástica. Essas intrusões do elemento da estranheza alimentam essa obra que – digamos mais uma vez, instigante apesar de imperfeita – só pode despertar o interesse de quem está cansado do marasmo cinematográfico e não se conforma com mais do mesmo.

Além do mais, há quanto tempo você não vê um longa-metragem maranhense?

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