O cult Stelling critica o individualismo dos 90

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

Jos Stelling atende logo a reportagem. A entrevista está sendo feita por telefone, de Utrecht, e o diretor de Nem Trens, Nem Aviões, que estréia sexta , fala com carinho do público paulistano. Seus filmes ficaram conhecidos no Brasil por meio da Mostra Internacional de Cinema. Em dois anos consecutivos, na 9.ª e na 10.ª edições do evento, Stelling ganhou o prêmio do público com O Ilusionista e O Homem da Linha. Em 1986, veio a São Paulo, para a mostra. Adorou. Seu requinte visual e o humor um tanto absurdo, mas de inspiração realista, ganharam admiradores e viraram objeto de culto. Os fãs de Stelling não vão se decepcionar com Nem Trens, Nem Aviões. Ele explica que a história foi adaptada de um livro de Jean-Paul Franssen chamado Alegria Fraternal. Passa-se, durante 24 horas, num só cenário - o Café Central de uma estação. A maioria das pessoas está ali de passagem, mas há um grupo para o qual o lugar é ponto de encontro e refúgio. A rotina é quebrada quando um desses amigos anuncia que vai embora. O fato reflete-se na vida de todo o mundo. "É uma tragicomédia", explica Stelling. "Queria falar sobre o fim de uma época, a nossa." Ele diz que a passagem do milênio nos confronta com o mundo em que vivemos, nos leva a perguntar se a vida que queremos é mesmo essa. "O homem moderno criou todas as formas de comunicação, mas na verdade comunica-se cada vez menos", observa. Por isso mesmo, diz que o tema do seu filme é o individualismo egoísta dos anos 90. "Após os ideais comunitários dos anos 60, as pessoas foram isolando-se cada vez mais, até chegarmos a essa era em que cada um pensa só em si mesmo, sem se ocupar dos demais; é triste, mas é verdadeiro." Essa foi a linha geral que conduziu a elaboração do trabalho, mas ele cita que houve outras intervenções, outras influências. "Possuo um cinema e um café, cuja gerente era uma moça muito simpática que insistia em beijar e ser beijada; não gostava daquela efusão toda e tentava resguardar-me, mas aí ela teve um câncer e virou uma doente terminal; passei a comportar-me de maneira diferente com ela; o beijo me pareceu uma forma de afirmar a vida, mesmo que, a rigor, fosse o beijo da morte." Vida e morte. A estação de trens é a representação metafórica do mundo, segundo o autor. "Todos estamos aqui de passagem", ele diz. E assim foi sendo tecida a história dos freqüentadores do café, do homem, Gerard, que quer ir embora e cujo sonho é reencontrar o irmão que não vê há 20 anos. O irmão reaparece. É um famoso crooner, que transforma despedida num momento inesquecível do Café Central. E ainda há o desfecho inesperado desse dia especial. É melhor não dizer qual é, mas tem a ver com a morte. Stelling gosta dessas concentrações de tempo e espaço. Em O Homem da Linha já tinha um espaço quase único, mesmo que ali a concentração de tempo fosse maior. "Pode ser um dia, uma semana, um mês, um ano; gosto de trabalhar com a finitude do tema e seu efeito sobre as pessoas." Nascido em Utrecht, em 1945, ele se consagrou internacionalmente com o segundo filme, Rembrandt Fecit 1669, de 1977. Lê muito, mas gosta de dizer que seu pensamento é visual. Pensa seus filmes como imagens e gosta de achar que essa é uma influência do cristianismo. "Os calvinistas lêem muito, colocam a palavra acima da imagem; eu, ao contrário, privilegio a imagem e acho que essa é uma influência católica." Seu filme anterior, O Holandês Voador, exibido na 20.ª mostra, é de 1995. Nestes cinco anos, Stelling não ficou parado. Fez dois filmes eróticos para uma série. "Diversos diretores foram chamados para dirigir esses pequenos filmes de 25 minutos; Nicolas Roeg, Hal Hartley, eu..." O primeiro desses curtas se chama The Waiting Room, o outro, The Glass Station. Por que o erotismo? "Porque é vida e também porque nos leva a questionar a repressão. Os católicos, por exemplo, praticam todo tipo de safadeza, mas vivem atormentados pela culpa e pelo remorso; é um grande material para se trabalhar." O repórter observa que os curtas poderão ser trazidos a São Paulo pela mostra. "E não se esqueça de dizer ao Leon (Leon Cakoff, organizador do evento) que me leve junto", brinca Stelling. Ele trabalha atualmente em outro projeto, para rodar no verão europeu. "Chama-se Sweet e conta a história de um emigrado russo confrontado com a estranheza do mundo pós-União Soviética."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.