'O cinema tem morrido desde que nasceu', diz Hazanavicius no Festival de Cannes

Diretor apresentou ‘Final Cut’, uma comédia de zumbis que celebra os filmes, na abertura do 75º Festival de Cannes

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Por Mariane Morisawa
Atualização:

CANNES - Michel Hazanavicius pode ter ganhado cinco Oscars com o simpático O Artista, incluindo filme e direção, e ter participado três vezes da competição em Cannes, mas não é um cineasta exatamente celebrado. Não chega, claro, a ser desprestigiado como Rémi (Romain Duris), o diretor de cinema e personagem principal de Final Cut ou Coupez! (“corte final” na tradução do inglês, “corta!”, na tradução do francês), comédia de zumbis que abriu, fora de competição, o 75º Festival de Cannes na noite desta terça-feira, 17. 

O diretor francês Michel Hazanavicius no Festival de Cannes, nesta quarta, 18 Foto: Loic Venance/AFP

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“Estamos muito felizes, é muito especial. Estamos na edição 75, emergindo da pandemia. É o primeiro festival nos últimos três anos que se parece com um festival como estamos acostumados”, disse Hazanavicius na coletiva de imprensa, na manhã desta quarta-feira, 18. De fato, as máscaras são artigo raro nas salas de cinema e de coletivas. “Abrir o festival com meu filme alegre é estranho e uma grande honra ao mesmo tempo”, completou o diretor, que precisou trocar o título às vésperas de Cannes – de Z foi para Final Cut para evitar ambiguidade ou confusão com “a guerra de agressão contra a Ucrânia pelo governo russo”, segundo comunicado do festival.

Nesta adaptação francesa da produção japonesa de baixo orçamento Plano-Sequência dos Mortos (2017), de Shinichiro Ueda, Rémi dirige um filme sobre a filmagem de um filme de zumbis que é atacado por zumbis de verdade. Começa com um plano-sequência de cerca de 30 minutos, em que Rémi parece um diretor abusivo, que berra com sua atriz principal, Ava (Matilda Lutz), e aguenta os palpites de seu ator, Raphaël (Finnegan Oldfield). Nadia (Bérenice Bejo) é a maquiadora que tenta acalmar os ânimos. 

“Vi muitas coisas pessoais nesta personagem”, explicou a atriz, que é casada com Hazanavicius. Ela jurou que originalmente não estaria no filme. “O Michel me disse que desta vez não íamos trabalhar juntos, porque eu era muito bonita para o papel. Eu rebati: Mas que pensamento é esse? Fiquei chateada”, contou. Foi só depois de o diretor ter covid-19, sendo muito bem cuidado pela sua mulher, que ela conseguiu convencê-lo, segundo disse. 

Quem conseguir aguentar a meia hora inicial propositalmente ruim vai descobrir que nada é o que parece. Tem sua graça, mas aí Final Cut estica e repete as piadas até esgotá-las. Ao mesmo tempo, vira uma celebração do cinema, do fazer cinema e de quem faz cinema. “Eu acredito que o cinema tem morrido desde que nasceu”, disse Hazanavicius ao ser indagado sobre o estado do cinema.

“Sempre é nascimento e morte. Espero que o equilíbrio seja encontrado e haja espaço para a diversidade, que não sejam apenas blockbusters ou filmes de tragédias. É legal trazer um pouco de alegria para as pessoas.” 

Michel Hazanavicius, Berenice Bejo eRomain Duris, na apresentação de 'Final Cut' Foto: Patrícia de Melo Moreira/AFP

A comédia de zumbis, cheia de cenas escatológicas, aos poucos transforma-se também na história de um pai que quer dar orgulho à filha. Romy (Simone Hazanavicius, filha do diretor) sonha em ser como Lars Von Trier e usa camiseta que diz “Directed by Quentin Tarantino”. Seu pai não chega a ser nenhum dos dois. Nem Hazanavicius.

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Com Final Cut, ele parece dizer que isso não importa, porque o resultado não importa. Que o que interessa é a jornada, a família que se forma ali naquelas semanas, enfrentando junta todas as dificuldades para fazer um filme. Como costuma dizer Quentin Tarantino em suas filmagens, quando pede outra tomada: “Por que vamos repetir? Porque AMAMOS fazer cinema!”. 

Por essa celebração do cinema, dá para entender a escolha do filme para abrir Cannes – Final Cut foi retirado de Sundance quando o evento virou virtual, justamente por celebrar o cinema. 

E ao mesmo tempo não dá. Porque tudo o que Cannes representa é que todos podemos amar o cinema e amar fazer cinema, mas que o resultado importa, sim.

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