O cinema na vida do primeiro escalão

Lula e vários de seus ministros, especialmente Gilberto Gil, participam de filmes do cinema brasileiro

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Por Agencia Estado
Atualização:

O primeiro escalão do governo Lula tem muito a ver com o cinema brasileiro. Quem quiser assistir aos filmes que contam com suas imagens ou nomes nos créditos deve recorrer a locadoras e acervos das Cinematecas (Brasileira, em São Paulo, e do MAM-Rio). De todos os participantes do novo governo, o recordista em títulos é o ministro da Cultura, Gilberto Gil. O presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, vem em segundo lugar. O secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, a secretária de Assistência e Promoção Social, Benedita da Silva, e o ministro da Casa Civil, José Dirceu, também têm suas imagens e idéias impressas em celulóide. Já o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, começou em função técnica e abandonou o ofício cinematográfico quando optou pela diplomacia, mas depois dirigiu a Embrafilme. O ministro da Cultura tem longa folha de serviços prestados ao cinema. Tudo começou em 1965, quando Gil, parceiro de Capinam, compôs a música-tema de Viramundo, documentário de Geraldo Sarno. O filme, um clássico do gênero, faz parte do longa Brasil Verdade (1968), produção de Thomaz Farkas. Outro título produzido por Farkas é Roda, de Sérgio Muniz, criado a partir de canção homônima do compositor baiano (parceria com João Augusto). No exílio londrino, Gil participou de O Demiurgo, filme experimental de Jorge Mautner. De volta ao Brasil, deu seqüência a sua carreira em dois longas: Os Doces Bárbaros, que além do histórico show do quarteto, mostra Gil detido por porte de maconha, e Corações a Mil, ambos de Jom Tob Azulay. Nos anos 80, como trilheiro, Gil colaborou com Cacá Diegues (em Quilombo e Um Trem para as Estrelas) e Nelson Pereira dos Santos (Jubiabá). Sob a direção de Leon Hirszman e Paulo César Saraceni, Gil participou do documentário Bahia de Todos os Sambas, realizado em 1983, mas só finalizado e lançado em 1997. Em 1994, Diegues se inspirou na música Drão, de Gil, para fazer um dos episódios de seu Veja Esta Canção. Nos anos 90, o compositor atuou em O Mandarim, de Júlio Bressane (1995) e, em seguida, iniciou fértil parceria com a Conspiração Filmes. Com os diretores da produtora carioca fez Pierre Verger: Mensageiro entre Dois Mundos (de Lula Buarque/98), Tempo-Rei (Andrucha, Lula e Breno Silveira), Eu Tu Eles (sua mais famosa trilha, puxada pelo sucesso Esperando na Janela, de Targino Gondin) e Viva São João, documentário que tem o compositor como mestre-de-cerimônia de festas juninas do Nordeste. Andrucha Waddington tornou-se, com o tempo, o mais importante parceiro cinematográfico do ministro. Gil tem, ainda, destacada participação no longa baiano Samba Riachão, de Jorge Alfredo, e convite para novo trabalho: da Bahia, o produtor brasiliense Márcio Curi avisa que o compositor foi convidado (antes de tornar-se ministro) a participar de Viva o Povo Brasileiro, longa que André Luiz Oliveira realizará a partir do romance de João Ubaldo Ribeiro. ABC - Os cem primeiros dias do governo de Lula estão sendo registrados pela câmera de Nelson Pereira dos Santos, por encomenda da televisão francesa. Mas Luiz Inácio Lula da Silva já tem boa parte de sua trajetória política e sindical documentada pelo cinema. Foi assim desde 1979 quando, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, liderou greves no ABC, foi preso e, depois, comandou a criação do PT. Vale lembrar que, naquele período, jovens documentaristas, muitos deles alunos da ECA-USP, estavam profundamente interessados na movimentação do operariado. A produtora Assunção Hernandez, da Raiz Filmes, relembra a gênese de um clássico do período, o documentário Greve, de João Batista de Andrade (1979). "Foi emocionante. Revi-o, semana passada, e a história de sua produção me pareceu muito próxima. Lembro-me que estava a caminho do trabalho, num Fusquinha dirigido por Batista, quando o rádio noticiou o estouro da greve. Demos meia volta e regressamos à nossa casa, também escritório da Raiz. Arrumamos algumas latas de filme 16 mm virgem, que estavam na geladeira de um amigo, película vencida, é claro, localizamos o Wagner Carvalho para fazer o som conseguimos um fotógrafo e câmara emprestada. Enfim, o básico. Rumamos para São Bernardo. Fomos tão ágeis que chegamos a tempo para registrar o evento-monstro que o rádio anunciava". A equipe de Batista e Assunção filmou a trégua realizada pelas lideranças metalúrgicas, quando Lula foi preso. Antes que a greve acabasse, o filme foi finalizado e mostrado aos metalúrgicos; eles puderam, portanto, assistir a Greve no calor da hora. As sessões no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, na Rua Rego Freitas, mobilizavam filas homéricas e se multiplicavam. Além de Batista, outro cineasta, Renato Tapajós, cumpriu importante papel na documentação das greves do ABC. Os jovens Roberto Gervitz e Sérgio Segall Toledo, alunos de cinema da USP e integrantes da onda documentarista que movimentou o País no final da década de 70, realizaram o longa Braços Cruzados, Máquinas Paradas. No calor da hora, documentaram (em 1978) a campanha eleitoral no Sindicato dos Metalúrgicos (Lula elegeu-se presidente). Depois, a greve no ABC. A agitação sindical em São Bernardo deu origem ao filme ficcional Eles não Usam Black-Tie, de Leon Hirszman (1981). Para preparar a recriação cinematográfica da obra de Gianfrancesco Guarnieri, que ganhou vários prêmios no Festival de Veneza, Leon realizou o documentário de longa-metragem ABC da Greve (concluído postumamente). Ao longo de 2003, Lula será visto em três novos documentários. Um, de João Moreira Salles (Diário de Campanha, título provisório), acompanha sua vitoriosa campanha à Presidência. O outro, de Eduardo Coutinho, sai em busca dos metalúrgicos que atuaram com Lula no movimento grevista de 1979. No terceiro - Intervalo Clandestino -, Eryk Rocha discute política com eleitores brasileiros enquanto Lula disputa o primeiro e o segundo turnos. Violência urbana - A violência, tema que ocupará a Secretaria Nacional de Segurança Pública, é responsável pelas duas aparições do titular da pasta - o antropólogo Luiz Eduardo Soares - no cinema. A primeira se deu em 1999, no documentário Notícias de uma Guerra Particular, de João Moreira Salles e Kátia Lund. Luiz Eduardo voltaria às telas em contundente depoimento a José Padilha, diretor do premiadíssimo Ônibus 174, documentário que vem inquietando festivais e platéias. No filme, o secretário fala da invisibilidade de jovens como Sandro do Nascimento, o seqüestrador do ônibus que fazia a rota Rocinha-Central do Brasil. Sandro fora um dos meninos de rua que escaparam do Massacre da Candelária. Viveria mais alguns anos para protagonizar um dos episódios mais chocantes da crônica sociopolicial do País. Benedita da Silva, titular da Secretaria de Assistência e Promoção Social, é tema do documentário Nasci Mulher Negra de Maria Luísa Mendonça e Vicente Franco. A trajetória de Bené, favelada e primeira mulher chegar a chegar ao Senado, é contada da infância até o fim dos anos 1990. O filme não alcança a experiência de Benedita no governo do Rio. Antes, Eduardo Coutinho, em Fio da Memória (1991), já havia registrado um pouco de sua história num documentário realizado a partir de 1988, centenário da Abolição. José Dirceu, ministro da Casa Civil, é figura costumeira em documentários que abordam a história dos anos 1960. Ele freqüenta curtas e médias-metragens que tematizam a resistência aos governos militares. Na maioria desses filmes, aparece ou discursando em manifestações estudantis ou na foto em que é visto ao lado de vários presos políticos trocados pelo embaixador Charles Elbrick. Sílvio Tendler, que está em Paris a caminho do Vietnã (país no qual filmará trecho de Utopia e Barbárie), lembra que José Dirceu está presente com depoimento e imagem no documentário Chega de Saudades, realizado por ele em 1988, para marcar a passagem dos 20 anos de 1968. Em outro documentário, Marighella (2001), já exibido na TV Cultura, o ministro da Casa Civil dá um depoimento sobre o guerrilheiro. O diretor de Os Anos JK e de Jango não sabe se fará, um dia, um longa sobre os anos Lula. Mas revela que tem, guardada, minibiografia do operário agora presidente. Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores, iniciou-se no cinema bem jovem. E o fez num dos filmes mais controvertidos da história brasileira: Os Cafajestes. Por causa da nudez de Norma Bengell, o primeiro longa do moçambicano-brasileiro Ruy Guerra causou indignação, principalmente na Igreja Católica. O diretor escalou Amorim para função técnica (a de continuísta). Ou seja, aquele que fiscaliza cada momento do filme para evitar erros de continuidade. A diplomacia, no entanto, falou mais alto e o cinema perdeu um futuro diretor. Em 1979, porém, Celso Amorim assumiu a presidência da Embrafilme. Deixou a empresa em 1981, quando militares da linha dura implicaram com o filme Pra Frente, Brasil, de Roberto Farias, e pediram sua cabeça. Mas o filho do ministro, o jovem Vicente Amorim, tornou-se cineasta. Depois de realizar o documentário 2000 Nordestes (com David França Mendes), o rapaz estréia na ficção com O Caminho das Nuvens. O elenco do filme é encabeçado por Cláudia Abreu e Wagner Moura. José Genoino, presidente de PT, estará nas telas ao longo deste ano. É que o cineasta Ronaldo Duque promete lançar, em abril, seu primeiro longa ficcional: Conspiração do Silêncio. Trata-se de recriação da Guerrilha do Araguaia. No filme, Genoino chama-se Geraldo e é interpretado por Pablo Peixoto. Duque diz que o presidente do PT viu o filme e aprovou o resultado. Apolônio de Carvalho, que lutou na Guerra Civil Espanhola e, depois, na Resistência Francesa, fundou o PT com Lula, em 1980. Sua história será tema do documentário Vale a Pena Sonhar, de Stela Grisotti e Rudi Böhn. Lula estará no filme, que fica pronto neste ano, como coadjuvante.

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