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O cinema de Scola em retrospectiva

Pandora põe em cartaz sete filmes do diretor de Concorrência Desleal e O Jantar, o último dos grandes realizadores italianos

Por Agencia Estado
Atualização:

Com a morte de Federico Fellini e Luchino Visconti e o silêncio que a doença impôs a Michelangelo Antonioni - mas que o grande diretor tenta, volta e meia, romper, como agora, quando acaba de rodar novo filme com a assessoria técnica de Atom Egoyan -, Ettore Scola permanece como o último grande do cinema italiano. A nova geração é pouco conhecida no Brasil, onde as raras estréias de filmes italianos ocorrem via Hollywood, por meio de filmes adquiridos pelas majors americanas. E assim sobra Scola, que ainda tem prestígio para interessar ao público e, conseqüentemente, aos distribuidores. A Pandora, que exibiu no ano passado Concorrência Desleal, reestréia em cópia nova, no dia 2, o que talvez seja o maior filme do diretor, Um Dia Muito Especial. Precedendo esse verdadeiro evento, a própria Pandora inicia nesta sexta-feira, no CineSesc, um ciclo que traz alguns dos melhores filmes do diretor. Entre eles não está o único capaz de roubar de Um Dia Muito Especial o título de obra-prima do diretor: A Viagem do Capitão Tornado, que Scola adaptou de Théophile Gautier, é admirável como farsa e como reflexão sobre arte e vida ou sobre o teatro como metáfora da vida. Outro marco do autor, também ausente do ciclo, é Casanova e a Revolução, no qual Scola discute a pluralidade das idéias e ainda oferece um papel esplêndido a Marcello Mastroianni. Chega de lamentar as ausências: o que o CineSesc mostra, a partir de amanhã, tem interesse de sobra para fazer a festa dos scolamaníacos. Ou você não acha que (re)ver Conseguirão os Nossos Heróis Encontrar o Amigo Misteriosamente Desaparecido na África?, Nós Que Nos Amávamos Tanto, Feios Sujos e Malvados, A Família, O Jantar e Concorrência Desleal ofereça uma oportunidade rara para repensar o cinema desse autor que talvez seja um dinossauro, pois, afinal, permanece um humanista num mundo que substituiu o bom e velho humanismo pela economia de mercado? Os pensadores econômicos sempre poderão dizer que esse negócio de "humanismo" é avatar dos artistas e dos sonhadores, não tem a ver com as necessidades concretas desse mundo globalizado que também não consegue mais encarar a arte como fruição ou instrumento de (auto)conhecimernto. A arte, hoje em dia, também é mercado e os filmes, principalmennte os de Hollywood, interessam menos pelo que querem dizer do que por aquilo que renderam nas bilheterias dos EUA. Se o filme faturou muito, é bom. Se faturou pouco ou não faturou, é visto com desconfiança. Dentro desse conceito, o Roberto Benigni de A Vida É Bela, que bateu recordes na Itália e ainda ganhou o Oscar, só pode ser mais importante do que Scola. Não é, mas isso exige uma discussão e tanto. Comunista histórico, Scola iniciou sua carreira como roteirista, colaborando em alguns clássicos de um grande da comédia italiana, Dino Risi, antes de tornar-se, ele próprio, um mestre dessa tendência tão particular do humor. Nas comédias italianas, humor e drama andam juntos e o que faz rir também é o que provoca um aperto na garganta. Scola desenvolveu essa habilidade escrevendo roteiros para Risi (Aquele que Sabe Viver e Os Monstros) ou então redigindo programas de rádio como Il Teatrino di Alberto Sordi sob medida para o estilo do ator. Os primeiros filmes, a partir de 1964, ainda são hesitantes, mas a partir de Ciúme à Italiana, em 1970, Scola firma-se no seu estilo de comédia que discute questões sociais. Há críticos que recuam um pouco e vêem em Conseguirão os Nossos Heróis... a matriz do melhor cinema de Scola. A exibição do filme com Alberto Sordi e Nino Manfredi na programação poderá confirmar se isso é mesmo verdade. Feios, Sujos e Malvados invade a realidade dos casebres para tratar do tema da dissolução familiar. Nós que Nos Amávamos Tanto discute as polarizações ideológicas e todo mundo sabe como o embate entre esquerda e direita sempre foi importante, culturalmente, na Itália, permeando a obra de diretores cujo prestígio ultrapassou as fronteiras nacionais. A crise que se seguiu à derrocada do comunismo seguiu alimentando as indagações políticas e ideológicas de Scola, mas o ciclo põe ênfase em temas como o Holocausto (Concorrência Desleal) e a concentração de tempo e espaço num só cenário, iniciada com O Baile e que teve prosseguimento com A Família e, de certa forma, O Jantar, ambos presentes no ciclo. É uma belíssima programação. Diverte - as comédias de Scola são muito engraçadas - e fazem pensar. E você ainda pode ver todos esses filmes como aquecimento para Um Dia Muito Especial, que filtra a grande História pela história da vida cotidiana, evocando o encontro de Adolf Hitler e Benito Mussolini em Roma através da história de dois solitários, uma dona de casa e um homossexual. Por meio deste último, e da magnífica interpretação de Marcello Matroianni, fala com gravidade sobre a perseguição do nazifascismo aos gays. Serviço - Retrospectiva Ettore Scola. Sexta e segunda, às 16 horas, ´Nós que nos Amávamos Tanto´/75, dur. 136 min.; sexta, domingo, terça e quinta, às 18h30, sábado e segunda, às 21 horas quarta, às 16 horas, ´O Jantar´/98, dur. 98 min.; sexta, domingo, terça e quinta, às 21 horas, sábado, segunda e quarta, às 18h30, ´Concorrência Desleal´/2002, dur. 120 min. Sábado, às 16 horas, ´Feios, Sujos e Malvados´/76, dur. 115 min. Domingo e quinta, às 16 horas, quarta, às 21 horas, ´Conseguirão os Nossos Heróis Encontrar o Amigo Misteriosamente Desaparecido na África?´/68, dur. 130 min. Terça, às 16 horas, ´A Família´/86, dur. 127 min. De sexta a quinta. De R$ 4,00 a R$ 8,00. Cinesesc.Rua Augusta, 2.075, tel. 3082-0213. Até 1.º/8

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