O ataque francês ao dragão americano

Atores e diretores participam de encontro em Paris para fomentar o cinema francês, que tenta se firmar como alternativa à hegemonia de Hollywood no mercado mundial

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Por Agencia Estado
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"Falemos francês ou espanhol, pas d´anglais". Inglês, não, diz o diretor-presidente da Unifrance. E Daniel Toscan du Plantier explica: "É um ato de resistência." É bem disso que se trata o evento que se realiza atualmente na capital francesa. O 5.º Encontro do Cinema Francês foi promovido pela Unifrance, a Agência Nacional de Cinema deles, para fomentar o cinema francês no mundo. Se você acompanha o movimento de cinema no mundo sabe que a França há tempos tenta ser a alternativa à hegemonia de Hollywood no mercado internacional. Em casa, os franceses já exibem números alentadores. Em 2001, o cinema francês atingiu o patamar inédito de 40% no próprio mercado. O número caiu ligeiramente em 2002, mas no mundo todo, graças ao fenômeno Amélie Poulain, o cinema francês movimentou perto de 60 milhões de espectadores. O sonho de Toscan du Plantier, como de seus colegas de geração - ele vem dos revolucionários anos 1960 -, é aumentar esses números, não apenas pelo que isso representa em dinheiro mas também para quebrar a hegemonia do dragão americano. Toscan du Plantier está de olho no Fórum Mundial Social de Porto Alegre, que abriga o fórum do audiovisual. Confessa-se feliz com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência. "Lula lá", ele diz. Está ansioso para fazer uma visita ao ministro da Cultura, Gilberto Gil. Concorda quando ele diz que o objetivo do ministério é fomentar, não produzir. E quanto a resistir à dominação americana... "É a nossa especialidade", afirma Toscan du Plantier. "Quem quiser criar alternativas à hegemonia da cultura americana e, em especial, do cinema americano, tem de falar conosco." É assim que, há cinco anos, a Unifrance promove o Encontro do Cinema Francês. Tradicionalmente, ele se realizava em Acapulco, mas Toscan du Plantier admite, rindo, que tinha dificuldade de explicar aos franceses que estava trabalhando no balneário mexicano quando as fotos que surgiam na imprensa francesa, em pleno inverno europeu, mostravam astros e estrelas na praia. Ele promete voltar a Acapulco para novo encontro, ainda este ano, mas por medida de economia - e também em nome da transparência do encontro -, transferiu este ano o evento para Paris. Ou melhor, aproveitou um mercado do cinema francês que se realiza em Paris, nesta época do ano, e trouxe para a capital francesa 350 compradores (de 30 países) e 140 jornalistas (de 28 países). Projeções, entrevistas, debates. É a receita do encontro. Aqui é possível ter encontros como os que se realizaram logo no primeiro dia - quinta-feira, o evento termina hoje com uma grande festa que contará com a presença do primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin - com o diretor israelense Amos Gitai e atrizes como Audrey Tautou, a Amélie Poulain, e Juliette Binoche. Juliette confirmou para o Estado que ainda espera concretizar o projeto The Assomption of a Virgin, mesmo após a saída de Walter Salles do projeto. "Vai ser um belíssimo filme sobre a fé e eu tenho de fazê-lo logo enquanto tenho a idade para o papel." Ela diz que se mantém em contato permanente com Salles e que os dois estão desenvolvendo novo projeto juntos, mas cabe a ele divulgar os detalhes no Brasil. "Já estamos em tratamento de roteiro e acho que vai ser outro filme belíssimo do Walter." Gitai teve apoio da França para fazer filmes como Kadosh, Kippur e Kedma. Está em Paris trabalhando na finalização de Alila. Seu novo filme tem esse nome sugestivo, um palíndromo. De trás para a frente, a palavra é a mesma. Quer dizer complô e também ficção. Gitai revela um face pouco conhecida da realidade atual do Oriente Médio. Israelenses e palestinos estão tão preocupados em fazer a guerra que, para manter em funcionamento os serviços na região, são importados trabalhadores da Ásia e da África. Representam mão de obra barata. Gitai espera estar em Cannes, em maio, com Alila. Há anos persegue a Palma de Ouro. Já deveria tê-la ganhado. Aos jornalistas, Toscan du Plantier apresentou-o como "o maior diretor do Oriente Médio". O repórter do Estado observou que o elogio era reducionista. Por que só do Oriente Médio? Toscan du Plantier corrigiu-se, Gitai achou graça mas observou. Sua posição é cada vez mais difícil no cinema israelense. As instituições oficiais dificultam o financiamento de seus filmes alegando razões estéticas, não políticas. Assim, Kadosh é um filme chato, Kedma tem um roteiro medíocre. Na verdade, o problema é outro. Em Israel, por sua capacidade de crítica e de criar condições para o entendimento, por meio do diálogo, Gitai é chamado de "amante dos palestinos". Audrey Tautou é gracinha. Tem aquele rosto de anjo, os grandes olhos que exprimem o eterno espanto diante do maravilhoso. Seu novo filme chama-se A la Folie pas tu Tout. Tem direção da estreante Laetitia Colombani. Audrey faz uma garota que sofre nas mãos de um médico casado. Ele, interpretado por Samuel Le Bihan, aproveita-se dela ou é o que parece. O final reserva uma surpresa para o público. Dá novo sentido às relações entre os personagens. Audrey jura que não tem consciência da sua imagem, mas explica o que há de comum entre Amélie Poulain e a nova personagem. "São todas órfãs, escolho minhas personagens, ainda que inconscientemente, nessa direção. Todas carentes, sem família, solitárias. Na minha vida, não é nada disso, mas no cinema é o que gosto de representar. É o que acho que explica o meu sucesso, desculpe-me pela falta de modéstia. Acho que passo essa idéia de pessoa que todo mundo quer adotar, consolar." O repórter viajou a convite da Unifrance

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