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O amor na memória fraca dos peixes

A diretora Liz Gill fala de Todas as Cores do Mundo, filme no qual solteiros gays e heteros, jovens e charmosos, se apaixonam e se decepcionam, com música de Tom e Vinícius na trilha sonora

Por Agencia Estado
Atualização:

Liz Gill tem um currículo e tanto. Começou no cinema como assistente de Martin Scorsese e foi depois assistente de direção de Todd Haynes (em A Salvo). Dirigiu seu primeiro longa, Gold in the Streets, em 1996. Entre este e o segundo, que estréia hoje em São Paulo, fez o curta A Kiss of Death e a peça A Woman´s Place. O lugar da mulher na sociedade não deixa de estar no centro de Todas as Cores do Mundo. O longa de Liz é simpático, você vai ver. Se fosse traduzido ao pé da letra, o filme, que se chama Goldfish Memory no original, deveria sair, no Brasil, como Memória de Peixinho Dourado. Liz acha graça quando o repórter observa que essa memória tem tudo a ver com a da peixinha de Procurando Nemo. Explode numa risada: "Não copiei nada, juro." A peixinha que acompanha o pai de Nemo em sua jornada por mares nunca dantes navegados também tem a memória curta. Em segundos, esquece o que se passou. É o que parece ocorrer com as personagens de Todas as Cores do Mundo. Solteiros gays e heteros, basicamente jovens e charmosos, passam pelo filme apaixonando-se e decepcionando uns aos outros. É um material extremamente volátil. O amor é eterno enquanto dura, como dizia Vinícius de Morais. Uma das curiosidades do filme é que traz, na trilha, dois clássicos da MPB. Desafinado, de Tom Jobim, e Lamento no Morro, de Tom e Vinícius, são cantados, num português cheio de sotaque, por Damien Rice, acompanhado pelo saxofonista Richie Buckley. São dois músicos irlandeses de muito sucesso. E versões para o inglês de Águas de Março e Amor em Paz, também de Tom, embalam outras cenas de romance. "Foi Richie quem me apresentou todas essas músicas. Queria fazer um retrato sexy de Dublin no limiar do século 21. Queria dar um toque brilhante e sofisticado aos personagens e situações, sem risco de exagero. Richie me forneceu a embalagem elegante que procurava." Ela conta essas coisas no lobby do Hotel Pestana São Paulo. "Queria fazer um filme de relações que valesse, ao mesmo tempo, como retrato de época. Vivemos um período de muita volatilidade nos sentimentos. Acabaram-se os anos do sexo permissivo. Há hoje toda uma cultura voltada para o sexo seguro, o que eu compreendo e apoio. O problema é que ele traz junto a idéia do compromissado. Saltando de cama em cama as pessoas não precisavam se preocupar com futuro, fidelidade. Ir para a cama com a mesma pessoa mais cedo ou mais tarde desperta indagações. A mais óbvia é - por que estamos aqui? A outra é - vamos nos ver de novo? E a verdade é que, cada vez mais, pessoas bem resolvidas, material e socialmente, cultivam sua liberdade e têm medo de compromissos." Liz admite que sua ambição era fazer um filme que parecesse desambicioso, ou que parecesse como tal. "Queria dar um testemunho sobre as pessoas que conheço, o meio em que circulo, mas de forma leve e dinâmica e com ótimo astral." Seu filme virou o maior sucesso da história do cinema irlandês. Tom é o protagonista, interpretado pelo ator de teatro Sean Campion. Ele acha que os peixinhos dourados são seres superfelizes porque sua memória dura apenas três segundos, o que faz com que cada experiência pareça sempre nova. Tom é um sedutor que compara a capacidade de amar dos humanos à mente dos peixes. Acha que o amor deve ser vivido como da primeira vez. Tudo é sempre novo e excitante. Não deixa de ser o tema de Como se Fosse a Primeira Vez, a recente comédia com Adam Sandler e Drew Barrymore. Quando Clara encontra Tom beijando Isolde, vai afogar suas mágoas com Angie, que por sua vez prefere Red, que gosta de David. Uma ciranda de amores imperfeitos, entre heteros e homossexuais. Liz Gill recorreu basicamente a atores irlandeses, de teatro e TV. Raros, como Fiona Glascott, que faz Isolde, são conhecidos do cinema - ela atuou com Cate Blanchett em O Custo da Coragem, de Joel Schumacher, sobre a jornalista Veronica Guerin, de Dublin, que foi morta por combater o tráfico. Liz acha que, se seu filme possui um charme verdadeiro, deve-o em grande parte aos atores. "Queria um filme volátil, mas também queria que tivesse uma certa tristeza, uma melancolia, mostrando o que se perde com a frágil memória dos peixinhos dourados." Isso, como ela diz, só bons atores, mesmo em papéis leves, conseguem expressar.

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