Novo livro de Le Carré ganha as telas

Para o consagrado escritor de histórias de espionagem, a adaptação de John Boorman que estréia sexta, O Alfaiate do Panamá, é a melhor já feita de sua obra

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Por Agencia Estado
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John Boorman é um fenômeno de persistência. Consagrado como um dos grandes talentos dos anos 60 com o thriller À Queima-Roupa, realizou filmes desiguais, mas que têm em comum o fato de levarem a violência a uma espécie de paroxismo. Essa violência cega os homens e fundamenta o pessimismo que é a marca do diretor inglês nascido em 1933. O Alfaiate do Panamá, ao mesmo tempo que mantém a coerência, introduz algumas novidades na obra de Boorman. É um bom filme, como Esperança e Glória e O General, que volta e meia nos lembram que o cineasta não pode ser simplesmente descartado. No baralho do cinema, Boorman tem mais ases do que pensam seus críticos. O Alfaiate baseia-se no livro de John Le Carré. Desde O Espião Que Saiu do Frio, é considerado um dos maiores autores, senão o maior, de romances de espionagem. Le Carré foi a Berlim, em fevereiro, para acompanhar a entrevista coletiva do diretor, após a exibição do filme na Berlinale deste ano. Le Carré não deixa por menos: acha O Alfaiate a melhor adaptação de seus livros para cinema. Talvez seja injustiça. O Espião Que Saiu do Frio, que Richard Burton interpretou para Martin Ritt, é um belo filme desse diretor que representou, em vida, a ala mais liberal de Hollywood. Mas Le Carré tem razão: A Garota do Tambor é horrível, apesar de Diane Keaton. O Alfaiate é obra-prima perto do thriller dirigido por George Roy Hill. Le Carré sempre teve uma visão desmistificadora do mundo da espionagem. Suas narrativas de espiões, mesmo quando envolvem ação e aventura (ou seja: sempre), são sombrias. E inscrevem-se preferencialmente no quadro da guerra fria. Com o desmantelamento da União Soviética, pensou-se, prematuramente, que ele estaria liquidado. Seria um dinossauro. Le Carré provou que tinha mais bala no seu calibre com a intriga rocambolesca de O Alfaiate no Panamá, que envolve agentes britânicos em conspirações no Caribe que, no fundo, não passam de uma farsa. O Alfaiate, na verdade, usa a espionagem para falar de corrupção na Inglaterra. Boorman percebeu-o. Ele respeita não só a farsa armada pelo escritor como também adapta o arsenal de traições, dissimulações e mentiras de O Alfaiate ao pessimismo que fundamenta sua visão de mundo. Temperado pelo humor, o pessimismo fica palatável. Na história, um espião inglês exilado no Panamá, Andy Osnard, precisa de informações de bastidores sobre o canal, em pleno processo de sua devolução, pelos EUA, aos panamenhos. Ele força um ex-condenado, que refez a vida como alfaiate, servindo ao homem mais poderoso do país, a encaixar-se no papel. O alfaiate, que se chama Harry Pendel, é um contador de lorotas. E nosso James Bond daqui a pouco está envolvido até o pescoço numa rede de falsidades. Para acentuar o caráter de farsa desse filme, Boorman colocou ninguém menos do que o atual 007, Pierce Brosnan, no papel de Osnard e Geoffrey Rush no de Pendel. O resultado é um thriller humorado e inteligente, que mostra que a espionagem têm fôlego para resistir à débacle da antiga URSS. A presença do dramarturgo Harold Pinter no elenco é outro fator de interesse. Pinter, que também está em Palácio das Ilusões, outra estréia de amanhã, faz o tio de Pendel, que faz as vezes de mentor para o sobrinho, para quem aparece depois de morto. Ou seja: mais farsa. O Alfaiate do Panamá (Tailor of Panama). Comédia. Direção de John Boorman. EUA/2000. Duração: 109 minutos. 18 anos.

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