Novo filme de Vera Egito aborda os relacionamentos afetivos no ambiente urbano

'Amores Urbanos' traz narrativa intrigante

PUBLICIDADE

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Em seu primeiro longa, Vera Egito (roteirista de Serra Pelada) põe em foco personagens que conhece muito bem. Amores Urbanos é sobre os ainda jovens, na faixa dos 30 anos, meio perdidos na urbe. Desorientados, como convém, expressam esse caráter urbanoide da modernidade, um mix de vida charmosa, angustiada e liberada do ponto de vista sexual. Porém, não a ponto de colocá-los a salvo de culpas e repressões. A formação conservadora é mais poderosa do que se supõe. Está inscrita no DNA social.

PUBLICIDADE

Entre vários personagens, três formam a vanguarda da narrativa, põem-se à frente do palco, por assim dizer. Júlia (Maria Laura Nogueira), Diego (Thiago Pethit) e Micaela (Renata Gaspar) dividem apartamento. Júlia é hétero, mas não encontra companheiro fixo. Diego e Micaela são gays. Diego é dado a aventuras noturnas e por isso entra em conflito com o namorado, que deseja uma relação estável. Micaela namora uma diretora de teatro, Eduarda (a cantora Ana Cañas), mas essa recusa-se a assumir a relação. São esses pontos de conflitos que imantam a história.

O enredo se dá em torno desses personagens, suas aventuras, suas angústias, suas visões de mundo, instáveis como seus relacionamentos. Uma graça da direção é não pedir a nenhum deles demasiada coerência. Comportam-se da maneira errática própria da idade (hoje a adolescência vai longe) e colocam o relacionamento amoroso no ápice das preocupações.

Desse modo, quase não há uma história, com muitas reviravoltas e suspense e desfecho, mas o registro a seco dessas vidas jovens tentando se ajustar a um mundo careta. E ajustar-se a si mesmas. Há uma vivacidade, um frescor na filmagem, em seu naturalismo sem exageros. Assistimos a longas conversas entre os membros do trio e de cada um com seus supostos e problemáticos pares. A gíria dá o tom nos diálogos e esses primam pela espontaneidade.

A contrapartida é o caráter meio raso na construção desses personagens. Pouco sabemos deles no início e pouco descobriremos ao final. Enfim, Julia tem seus problemas com os pais que, donos do dinheiro, deram o apartamento onde mora e que partilha com os amigos. A relação conflituosa que Micaela e Eduarda mantêm talvez seja a mais interessante, porque a mais sofrida. Inclui elementos de gênero e a hesitação em assumir a homossexualidade ou a bissexualidade, mesmo em meios tidos como abertos. Diego reserva prudente distância de uma família que o rejeitou. Uma morte terá o efeito de confrontá-lo com o passado.

Tudo isso parece promissor em termos de dramaturgia e, de fato, impulsiona a narrativa. Seria possível esperar talvez um pouco mais de profundidade nesses dramas da cidade? Talvez. São dramas pequenos? Bem, para quem os vivem, são imensos. Nem Diego, nem Júlia, nem Micaela sofrem problemas materiais. Uma certa indefinição profissional faz parte da idade e mais ainda em uma etapa de transe da organização social, na qual tudo parece instável, efêmero, prestes a se diluir no ar.

Talvez esse, que parecia um defeito, pode bem ser um mérito por antítese do filme. Como pedir profundidade a vidas que flutuam na superfície? Não por culpa dos personagens, naturalmente, mas porque é assim que as coisas se dão? Como ponto de vista da direção, pode-se dizer que esses personagens não são nem idealizados nem hostilizados. Há empatia com eles, com seus pequenos dramas e problemas, que são os de todos nós. Numa época sem épica, é o que temos para o momento.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.