Nova safra de filmes põe Hollywood no espelho

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Por Agencia Estado
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Hollywood volta a ser tema de filmes de Hollywood. Duas das mais comentadas produções independentes da temporada dissecam a indústria do cinema de maneiras bem diferentes: Steven Soderbergh, o aclamado diretor de Erin Brockovich e Traffic, brinca de integrante do movimento Dogma em Full Frontal, enquanto o documentário The Kid Stays in the Picture usa a história do produtor Robert Evans (de O Poderoso Chefão e O Bebê de Rosemary) para alfinetar o mundo do cinema com uma estética jamais vista nas telas. Depois de brilhar no Oscar de 2001 e reunir um elenco especialíssimo para o remake de Onze Homens e Um Destino, Soderbergh resolveu reviver o clima de cinema independente do filme que abriu portas para ele em Hollywood, sexo, mentiras e videotapes. Assim, em menos de um mês e com um orçamento de US$ 2 milhões (que equivale ao custo da comida de uma produção normal em Hollywood), ele reuniu Julia Roberts, Catherine Keener, David Duchovny e vários outros em Full Frontal. O resultado é um desastre de proporções titanescas. O filme é um amontoado de clichês vistos em boas tentativas dos últimos anos: estão lá as histórias entrelaçadas de Short Cuts e O Jogador; a estética de vídeo, câmera na mão e pulos de edição que já viraram marca-registrada de Lars Von Trier e outros diretores europeus do Dogma; a batida idéia do filme dentro do filme e a mais cansada ainda estratégia de piadas internas de Hollywood (Brad Pitt e até o presidente da Miramax, Harvey Weinsten, que produziu a fita, fazem aparições como eles mesmos). As imagens granuladas e desfocadas, com planos "esquisitos", também não ajudam. Para agravar a situação, os personagens são absolutamente desinteressantes e a história parece ter sido escrita por um estudante de cinema sem talento. Ao tentar brincar de cineasta em início de carreira (ele até avisou seus atores para chegar ao set de barriga cheia), Soderbergh não teve coragem para criticar o sistema de Hollywood e também não conseguiu despertar nenhum novo interesse sobre a indústria. Por outro lado, o documentário The Kid Stays in the Picture, dirigido pela dupla estreante Nanette Burstein e Brett Morgen, que tinha tudo para se tornar uma peça de auto-celebração da carreira de um dos mais intrigantes produtores de Hollywood, é uma verdadeira aula de cinema. Produzido pelo editor da Vanity Fair, Graydon Carter, a fita surpreende ao evitar o clima de auto-glorificação para apresentar o mundo mágico dos bastidores do cinema. O filme é uma adaptação da biografia de mesmo nome escrita por Evans nos anos 90, cujas versões em "audio-book", narradas pelo próprio produtor, viraram fenômeno cult nos Estados Unidos. Como um dos produtores de Hollywood de carreira mais longa, Evans, que por muitos anos comandou a Paramount, foi responsável por filmes como O Poderoso Chefão, Chinatown, O Bebê de Rosemary, Love Story e muitos outros. Ele foi casado com a atriz Ali McGraw, viveu dias de glória como um dos nomes mais poderosos da indústria e caiu por conta de um escândalo envolvendo cocaína, nos anos 80. Pouco tempo depois, seu nome apareceu ligado a um crime famoso de Los Angeles - do qual ele nunca chegou a ser considerado suspeito. Demitido da Paramount, Evans foi parar no fundo do poço, mas conseguiu recuperar a posição, produzindo nos últimos anos filmes como O Santo e Perdidos em Nova York. O que mais impressiona em The Kids Stay in the Picture é a forma com que as duas diretoras adaptaram a história de Evans a partir de um vasto material de fotografias e imagens de arquivo. Elas animaram uma série de glamourosos retratos em preto-e-branco, em um efeito que parece dar vida própria aos personagens em questão (o fundo da foto, descolado do primeiro plano, se movimenta ou ganha a adição de um brilho especial, enquanto cigarros têm fumaça e a vista da janela de carros é completada por projeções de trânsito, como as das cenas de filmes antigos). Também são usadas com maestria cenas de filmes, conhecidos ou obscuros, para ilustrar episódios como a fuga de Evans de um hospital psiquiátrico nos anos 80. Com uma narrativa direta e recheado de fofocas irresistíveis envolvendo nomes como Mia Farrow, Jack Nicholson, Francis Ford Coppola e Dustin Hoffman, o documentário é um dos mais intrigantes sobre o que realmente acontece nos bastidores de Hollywood, que, ironicamente, é o slogan de Full Frontal.

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