Definido como o gênero hollywoodiano por excelência, o western ajudou a esculpir o imaginário do público norte-americano. Os críticos gostam de dizer que John Ford ajudou a criar o conceito de nação da ‘América’ com seus bangue-bangues. O próprio Ford ajudou a destruir a mitologia que criara. Desmontados da história, os mocinhos perderam a vez. O próprio gênero foi escasseando. Raros grandes autores – o xerife Clint – ainda percorriam as pradarias. Com o tempo, até Clint aposentou seus pistoleiros. Bye-bye western. Mas, esperem, algo de novo está se passando no gênero.
Quentin Tarantino, que já flertou com o (spaghetti) western em Django Livre, volta ao Velho Oeste com Os Oito Odiados, e chega ao Brasil ainda este mês para promover o novo filme. Aureolado pelo Oscar que conquistou por Birdman, o mexicano Alejandro González-Iñárritu conta, em O Regresso, uma história parecida com a do admirável Fúria Selvagem, de Richard C. Sarafian. Ambos irão para o Oscar, podem anotar. Nova vida para o western? Segunda chance, como gosta Hollywood? Nesse quadro, é imperdível a nova caixa de DVDs da Versátil. Faroeste 2 pode muito bem ser considerada uma súmula da grandeza do gênero. Traz clássicos de John Ford (Caravana de Bravos, de 1950), Raoul Walsh (Golpe de Misericórdia, 1949) e Budd Boetticher (O Resgate do Bandoleiro, 1957). São seis títulos no total, e os outros três também são de primeira – Renegando Meu Sangue, de Samuel Fuller, Choque de Ódios e O Testamento de Deus, de Jacques Tourneur.
Talvez seja o único reparo da seleção. Jacques Tourneur, autor do deslumbrante noir Fuga do Passado, é o único diretor com dois títulos. Wichita/Choque de Ódios, de 1956, é exemplar, mas a O Testamento de Deus, 1950, que é bom, se poderia preferir O Gaúcho, de 1952, ou Pelo Sangue de Nossos Irmãos, de 1956, e não se trata só de uma questão de gosto. O próprio Ford dizia que, entre todos os seus filmes, Caravana talvez tenha sido o que chegou mais próximo do que ele queria. Filmado em preto e branco, em Monument Valley, o filme é sobre dois caubóis que se unem a caravana de mórmons rumo ao Oeste. Não acontece muita coisa e, na verdade, ocorre de tudo – romance, ação, encontros com fugitivos, com um ator bêbado, coisas que o próprio Ford já mostrara em Os Três Fugitivos e Paixão dos Fortes. É uma típica odisseia de bravos, e ajuda a entender porque Ford se tornou conhecido como ‘Homero de Hollywood’.
Em Golpe de Misericórdia, Walsh transpõe a trama do clássicos de gângsteres Seu Último Refúgio, que havia feito em 1941 , para o western e prova a compatibilidade entre os gêneros. O desfecho – o casal acuado, a heroína que escolhe seu destino – tem tudo a ver com o cultuado Duelo ao Sol, de King Vidor. O Resgate do Bandoleiro contrapõe um homem ético com tendências violentas (Randolph Scott) a outro violento, mas ético (Richard Boone). Ambos são as diferentes metades do mesmo homem e Scott vai precisar se livrar do lado ruim para reconstruir a vida e merecer a mocinha Maureen O’Sullivan (mãe de Mia Farrow).
Renegando o Meu Sangue mostra Rod Steiger como ex-soldado sulista que vai viver entre os índios. O filme é cíclico. Começa com um tiro desfechado quando a Guerra Civil já acabou e a mesma bala vai libertar o inimigo nortista do seu sofrimento no desfecho. Fuller não acredita em heróis, só em sobreviventes. Charles Bronson faz um pequeno papel e o curioso é que, em sua última reprise nos cinemas, toda a publicidade do filme foi feita em torno dele, como se fosse o astro. Sara Montiel, a estrela mexicana, faz uma índia. Choque de Ódios é sobre a fase em que Wyatt Earp foi xerife em Wichita. Contratado para limpar a cidade, ele se torna o problema, ao reescrever as leis à sua maneira. Na contracorrente de John Ford (Paixões dos Fortes) e John Sturges (Sem Lei Sem Alma), Tourneur pinta Earp não como herói, mas um celerado. Nota 10 para qualquer cultor do gênero.