Nos cinemas, um quebra-cabeça noir de Atom Egoyan

No drama criminal A Verdade Nua, que estréia nesta sexta-feira, o diretor reflete sobre a celebridade como uma criação midiática

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Por Agencia Estado
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Desde que fez Exótica, em 1994, Atom Egoyan sonhava com um filme sobre atores de cabaré. A atmosfera excitava-o, mas ele nunca parava para pensar seriamente no assunto. Egoyan estava no meio da produção de Ararat quando recebeu, por meio de seu agente, o livro que deu origem a A Verdade Nua, que estréia nesta sexta-feira na cidade. O livro foi enviado por uma admiradora do cineasta, que achava que daria um perfeito filme de Atom Egoyan. Seu agente não estava muito convencido, mas ela insistiu tanto que o livro chegou às mãos do diretor. Não foi encantamento à primeira vista, Egoyan confessou num encontro com um pequeno grupo de jornalistas em Cannes, no ano passado. Mas, aos poucos, ele começou a se impregnar do mistério desse quebra-cabeça que lhe permite retomar temas essenciais do seu cinema - aquilo que Positif, a revista francesa, chama de ?ambigüidade fundamental da relação humana com o voyeurismo?. A Verdade Nua conta a história da dupla que foi famosa na TV dos anos 1950, entrando em colapso quando ambos (Lanny e Vince, interpretados por Kevin Bacon e Colin Firth) se envolveram no assassinato de uma garota encontrada nua num quarto de hotel, em 1959. O impacto levou à dissolução do duo e 13 anos depois surge essa jovem jornalista que vai investigar o caso. A verdade, o que é a verdade?, interroga-se o cineasta canadense nascido no Cairo, de origem armênia. Não existe ?a? verdade, mas versões dela. Lanny e Vince forjam a sua versão, a jornalista cria a dela, que pode ser plausível, mas também é produto de uma obsessão, ou fantasia. É claro que o que está em discussão é o próprio cinema. Egoyan chega aos 46 anos sem renunciar à condição de autor pós-moderno. Rupert Holmes, autor do livro Where the Truth Lies, explicou Egoyan, ?foi um comediante célebre nos anos 1970 e único a receber três Tonys pelo roteiro, música e canções do espetáculo The Mystery of Edwin Drood.? O livro é cheio de detalhes de época que permitiram ao cineasta informar-se sobre um período que o fascinava, mas lhe era um tanto estranho. ?Holmes me forneceu a base para um intrigante filme noir, no qual os mecanismos narrativos ligam-se ao destino dos personagens, o que é sempre fascinante.? Mas ele também teve de se afastar do livro. Vince virou inglês, porque Egoyan quis evitar o que lhe parecia inevitável. Lanny e Vince parecem êmulos de Dean Martin e Jerry Lewis e ele não queria que o espectador ficasse com essa impressão errônea. Ele também criou o detalhe fundamental do seu quebra-cabeça que, admite, deixou o escritor invejoso e até aborrecido - na abertura, há um telefonema que liga a dupla a uma criança e, mais tarde, ela joga papel importante no drama. Uma maneira sucinta de definir A Verdade Nua seria dizer que se trata de um drama criminal de época, que cobre cerca de 20 anos, entre 1950 e 70. Este último período corresponde à adolescência de Egoyan e é marcado por suas preferências na moda e na música. Nada é o que parece nessa reflexão sobre a celebridade como criação midiática. Quando você achar que está enquadrando os personagens em alguma classificação, eles escapam - Lanny, Vince e a jornalista, Karin (Alyson Lohman) são mais complexos do que parecem. Há uma narradora, como em todo bom noir (Karin), mas quem é a mulher fatal? Não haverá aí uma inversão e não serão os homens, as celebridades, os fatais? Egoyan dá uma pista - a escolha da Alice de Lewis Carroll como o espetáculo que Vince monta no hospital obedece ao seu desejo de refletir sobre exibicionismo e voyeurismo. ?Cada personagem reflete os fantasmas e o desejo de outro que sonha passar para o outro lado do espelho.? Voltando-se sobre sua obra, o diretor revela que gosta de fazer filmes diferentes uns dos outros, mesmo quando animados por temas e até formas (o quebra-cabeça) recorrentes. Mas, aqui, ele acha que ocorre uma mudança importante. Após Ararat, Egoyan dirigiu sua primeira ópera, A Valquíria, de Wagner. ?Foi a experiência mais impressionante da minha vida?, resume. Teve desdobramentos e ele acredita que vai marcar, daqui para a frente, sua utilização da música nos filmes. O leitmotiv e a integração da estrutura musical no diálogo são novidades. Ele chama a atenção para a última bobina, quando criou, com o compositor Mychael Danna, uma frase musical de quase dez minutos, na qual todos os temas precedentes se misturam. A música sobre o rosto de Karin fornece a chave para o que ele quer dizer, mas isso, cada espectador é livre para descobrir, por si mesmo. Verdade Nua (Where The Truth Lies, Can-EUA-Ing/ 2005, 108 min.) - Drama. Dir. Atom Egoyan. 18 anos. Espaço Unibanco 1 - 15 h, 17h10, 19h20, 21h30. Cotação: Bom

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