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Nos bastidores de ‘O Poderoso Chefão’, brigas, desajustados e a verdadeira máfia

Livro detalha como foi a produção de um dos melhores filmes de todos os tempos

Por Glenn Frankel
Atualização:

O diretor tinha no currículo quatro longas-metragens nada extraordinários e um punhado de filmes de soft-porn. A maior estrela era uma ex-divindade em fim de carreira e pouco confiável que não conseguia decorar suas falas, estava profundamente endividada e encarando o terceiro divórcio. O outro protagonista era um ex-mensageiro que abandonara a escola e que os executivos do estúdio achavam muito baixo, muito velho e muito inexperiente para o papel. E o homem que supervisionava a produção era um narcisista insuportável com um crescente vício em cocaína e uma esposa glamorosa que estava prestes a trocá-lo por Steve McQueen.

Eles brigaram muito entre si e com os questionáveis gerentes da Paramount Pictures, excedendo o orçamento, o prazo e a paciência de todos os envolvidos. Mas, no final, esta equipe de desajustados entregou uma verdadeira obra-prima: O Poderoso Chefão, que o American Film Institute classifica como o segundo maior filme americano de todos os tempos (atrás apenas de Cidadão Kane, caso você esteja se perguntando).

Cena de O Poderoso Chefão, filmeclássico de Francis Ford Coppola que ganha "biografia" Foto: Paramount Pictures

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A produção deste clássico é uma história que já foi contada, recontada, psicanalisada e explorada até o osso - veja, por exemplo, The Godfather: The Corleone Family Cookbook, apenas um volume de toda uma biblioteca de livros derivados. O filme de 1972 revitalizou Hollywood, elevou Francis Ford Coppola à categoria dos grandes diretores, resgatou a carreira de Marlon Brando e ajudou a criar uma nova geração de estrelas de cinema: Al Pacino, James Caan, Robert Duvall e Diane Keaton. O longa gerou duas sequências, uma delas brilhante (O Poderoso Chefão: Parte II), a outra meio mais ou menos (O Poderoso Chefão: Parte III). Mas será que realmente precisamos ler mais uma história de como Brando tingiu o cabelo com graxa de sapato preta, encheu as bochechas com bolas de algodão e baixou o tom de voz em duas oitavas para o teste de tela que o levou ao papel principal?

Mark Seal, que há anos escreve sobre filmes na Vanity Fair, claramente acredita que sim. E depois de resistir à ideia o máximo que pude, devo confessar que seu livro, Leave the Gun, Take the Cannoli, mesmo com esse título de piada interna, “Deixe a arma, pegue os cannoli” (uma fala improvisada no filme), me cativou com sua energia, extensa pesquisa e entusiasmo de tirar o fôlego.

São os personagens esquecidos que costumam deixar os livros de filmes mais intrigantes, e a história de Seal ganha corpo quando ele apresenta Mario Puzo, o autor sempre falido e frustrado com vício em jogos de azar e massas com alto teor de carboidratos que, num último esforço para escapar da falência, decide escrever um romance barato sobre a máfia. Apesar de sua origem ítalo-americana, Puzo não sabia quase nada sobre a máfia quando começou o projeto e fez muitas pesquisas conversando com crupiês de blackjack e operadores de roleta nos cassinos dos hotéis Sands e Tropicana em Las Vegas. “Nunca conheci um gângster de verdade”, confessou ele tempos depois.

Cena do filme 'O Poderoso Chefão', filme analisado no livro 'Leave the Gun, Take the Cannoli' Foto: Paramount Pictures

O épico de mais de quatrocentas páginas capturou a crueldade e a brutalidade dos mafiosos, mas também seu senso de honra e sua devoção a suas famílias. “Foi um golpe genial de Puzo transformá-los em homens de família”, escreveu a crítica Maria Laurino no Wall Street Journal. E Puzo também transformou a máfia numa metáfora para a América - sua ganância, violência, ambições e traições. O romance, publicado em 1969, virou um grande best-seller: só o contrato pelos livros rendeu a Puzo US$ 410 mil. Mas Robert Evans, o playboy bonitão e agressivo que tinha a tarefa de mudar a sorte da Paramount, já havia comprado os direitos cinematográficos por meros US$ 12,5 mil, com outros US$ 50 mil se o filme fosse feito.

A Paramount não ficou muito entusiasmada. Filmes de máfia em geral eram um fracasso, entre eles o péssimo Sangue de Irmãos, recentemente lançado pelo estúdio. Mas Evans e o vice-diretor Peter Bart perceberam que a melhor maneira de resolver o problema seria contratar um diretor ítalo-americano. Eles escolheram Coppola, então aos 30 anos de idade. Ele estava profundamente cético com o projeto: “Eu era jovem e não tinha poder nenhum, então eles perceberam que poderiam simplesmente mandar em mim”, disse ele a Seal. Mas, assim como Puzo e Brando, ele também estava profundamente endividado depois de abrir seu próprio estúdio independente. Ele embolsou os US$ 175 mil dos honorários de diretor e, ainda que relutante, começou a trabalhar.

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O estúdio, sempre pensando nos custos, queria atualizar a história dos anos 1940 para um cenário contemporâneo e mais barato, todo filmado nos fundos da Paramount. Coppola conseguiu reverter essas opções, além de sabotar as ideias de elenco mais bizarras do estúdio - entre elas Ernest Borgnine como Vito Corleone, papel que foi para Brando, e Robert Redford ou Ryan O’Neal como Michael Corleone, o filho mais novo de Vito e seu sucessor, papel que acabou indo para Al Pacino. Os executivos do estúdio odiavam a ideia de chamar Brando, que desperdiçara a década anterior fazendo filmes meio obscuros. Eles fizeram com que Brando pagasse uma carta de fiança de US$ 1 milhão para garantir que ele não atrasaria as filmagens e insistiram que ele abrisse mão de seu cachê habitual por uma pechincha de US$ 50 mil. Ele concordou de má vontade - e ganhou o Oscar de melhor ator.

Francis Ford Coppola e Marlon Brando se preparam para gravação de cena de 'O Poderoso Chefão' Foto: FOTO Jack Stager

Coppola insistiu na verossimilhança, chegando a supervisionar a cor, a qualidade e a trajetória do sangue nas cenas sangrentas de execuções. Muitas cenas eram visualmente operísticas - Coppola e o diretor de fotografia Gordon Willis mantinham a câmera numa posição fixa, criando um quadro pelo qual os atores entravam e saíam. Willis usou filme subexposto e luz baixa para produzir composições ricas em tons escuros.

Enquanto Coppola criava mafiosos cinematográficos, o produtor Al Ruddy negociava com um de verdade: Joseph Colombo, chefe de uma das cinco maiores famílias do crime de Nova York e fundador da Liga dos Direitos Civis Ítalo-Americana. Ruddy concordou em excluir os termos “máfia” e “Cosa Nostra” do filme e transferir os lucros da estreia em Nova York para o fundo hospitalar da liga. Em troca, Colombo deu sua aprovação ao projeto e proporcionou cooperação e tranquilidade dos poderosos sindicatos da cidade.

Capa do livro 'Leave the Gun, Take the Cannoli', deMark Seal Foto: Reprodução

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As batalhas mais duras foram entre Coppola e os executivos do estúdio, que estavam sempre ameaçando demiti-lo. “Foi a época mais terrível da minha vida”, diz ele a Seal. Ele teve uma briga feroz com Evans por causa das quase três horas de duração do filme, da música e do tom sombrio. Depois, Evans brigou com o conselho de classificação da Motion Picture Association of America, cujos censores exigiram cortes em três cenas consideradas excessivamente violentas. As cenas permaneceram; o filme recebeu classificação indicativa para maiores de 17 anos.

Tanto Coppola quanto Evans temiam que o filme fosse um fracasso. Mas uma prévia mudou tudo. Quando o filme acabou, relata Seal, fez-se silêncio. Nenhum aplauso. Nada. O público ficou pasmo com aquela obra de arte - continua pasmo desde então. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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