Noitão do Belas Artes exibe o rebelde, trangressor e cult 'Acossado'

Filme de estreia de Jean-Luc Godard é ícone dos tempos heroicos da nouvelle vague; evento é na noite de sexta, 19 de janeiro

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

No final de L'Atalante/La Chaland qui Passe, último filme de Jean Vigo, de 1934, Jean Dasté e Dita Parlo deitam-se e François Truffaut escreveu, anos mais tarde, que gostava de acreditar que naquela noite eles haviam feito um filho – o Michel Poiccard de Acossado/À Bout de Souffle. Truffaut talvez falasse em causa própria, pois, afinal, foi ele quem forneceu a Jean-Luc Godard, diretor de Acossado, a história de seu longa de estreia. Eram os tempos heroicos da nouvelle vague, o movimento que estava dando uma cara nova ao cinema francês – e mundial -, Truffaut e Godard eram companheiros de lutas. Depois, viraram desafetos, talvez inimigos, mas tudo isso foi mais tarde.

Cena do filme 'Acossado'(1960), de Jean-Luc Godard Foto: Les Films Impéria

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Acossado, o filme rebelde, transgressor, virou cult. Foi há quase 60 anos – em 1959 – e na noite de sexta, 19 de janeiro de 2018, Acossado vai abrir o primeiro Noitão do ano, no Belas Artes, em São Paulo. Sob o título – apropriado – de Rebeldes, a programação reúne três títulos anunciados, mais dois que serão surpresas para quem se dispuser a atravessar a madrugada no conjunto de salas da Rua da Consolação. Além de Acossado, Bullitt, o policial de Peter Yates, e Jovens, Loucos e Rebeldes, de Richard Linklater. Nada mau, começar o ano tão importante – de Copa do Mundo e eleições – com personagens que não se enquadram nem querem se enquadrar em normas comportamentais, mas que buscam o próprio caminho. A seguir, um pouco sobre cada um desses filmes.

Acossado

Cinéfilo de carteirinha revê a cena de olhos fechados. Jean Seberg, a americana em Paris, vende jornais nos Champs Elysées. Seu nome é Patricia, mas com acentinho no segundo A, como dizem os franceses. Patriciá. Chega Michel Poiccard/Jean-Paul Belmondo, o feio charmoso, na tradição de Humphrey Bogart. A câmera – na mão – dança ao redor deles. E logo as coisas se complicam. Michel rouba um carro, mata um policial. Agora, não tem mais volta. É preciso ir até o fim – até perder o fôlego (à bout de souffle).

Detalhes importantes. 1) A dupla vai ao cinema. O filme é o clássico noir Mortalmente Perigosa/Gun Crazy, de Joseph H. Lewis, de 1949. O revólver louco, como o de Michel, que parece fugir ao seu controle quando dispara no policial. E o título brasileiro – Patriciá terminará sendo perigosa, e mortal, para o herói.

2) O filme é um compêndio da liberdade de filmar da nouvelle vague. Custo baixo, câmera na mão, atores-personagens, muita improvisação. Na época, os críticos diziam 'um faroeste urbano' e 'um musical sem canto nem dança'. Tributos ao cinema de gênero. Não por acaso, Godard o dedica à Monogram, um estúdio de Hollywood que só fazia filmes pequenos, B.

3) Houve um remake norte-americano, um filme muito bom (melhor?) de Jim McBride, A Força do Amor, com Richard Gere no papel de Belmondo. E, sim, o espírito 'nova onda' de Acossado impregnou O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, de 1968.

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Bullitt

Steve McQueen faz policial de São Francisco que deve proteger criminoso que vai depor no Senado contra político corrupto. Bullitt perde o seu homem, descobre o envolvimento do político e sai à caça. Sob medida para a persona de rebelde que McQueen estabeleceu em Fugindo do Inferno, de John Sturges, de 1964, o filme esculpe um personagem elegante, viril, bom de briga e melhor ainda de volante.

Detalhes importantes. 1) O diretor Peter Yates não estabeleceu, propriamente, parâmetros para a filmagem de perseguição de carros na cidade grande, mas a caçada urbana do filme dele é das mais eletrizantes do cinema. Envolve, no desfecho, carros e aviões no aeroporto. Antes, Don Siegel já realizara uma cena tão boa em outro filme passado em São Francisco – O Sádico Selvagem, de 1958. E, depois, veio a perseguição emblemática, em Nova York, de Operação França, de William Friedkin, que venceu o Oscar de 1971.

2) A elegância de Bullitt, o personagem, não é só uma questão de gestos do ator. Passa pelo vestuário, também. Bullitt/McQueen está sempre impecavelmente vestido, e nisso o herói se assemelha a um detetive pioneiro da TV, nos anos 1960 – Peter Gunn.

3) Os créditos da Pablo Ferro Films e a trilha de Lalo Schifrin estão de acordo com o padrão sofisticado da produção.

Jovens, Loucos e Rebeldes

Este foi um dos primeiros filmes do diretor e roteirista Richard Linklater, anterior a Antes do Amanhecer, de 1995, com o qual ele iniciou sua trilogia com Ethan Hawke e Julie Delpy (Antes do Por do Sol e Antes da Meia-Noite). Baseado em experiências pessoais do autor, mostra as confusões em que se envolvem veteranos e calouros numa high school do Texas, nos anos 1970.

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Detalhes importantes. 1) Como o filme é de 1993, há 25 anos, tem um elenco de jovens que hoje talvez fosse mais difícil reunir – Matthew McConaughey, Ben Affleck, Milla Jovovich, Parker Posey, Adam Goldberg, Renee Zellweger, etc.

2) Linklater sempre foi um diretor atraído pelo tempo e, assim como fez a trilogia 'Antes' com Ethan Hawke e Julie Delpy, ele também fez Boyhood, acompanhando seu protagonista da infância à juventude, no longa de 2014. No caso desse filme, ele voltou, em 2016, ao seu conceito e em Jovens, Loucos e Mais Rebeldes acompasnhou outro grupo de jovens, numa 'república' e na escola, nos anos 1980. Outros jovens, outro elenco – Blake Jenner, Tyler Hoechlin, etc.

3) A trilha reúne os maiores hits de 1976, ano em que se passa a história, e isso fornece ao longa a dimensão também de uma viagem musical – The Runaways, Alice Cooper, Kiss, War, Deep Purple. Chega? Pois tem mais, muito mais...