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No último dia da competição, Brian De Palma leva vaias por 'Passion'

Diretor foi lacônico durante coletiva de imprensa

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

VENEZA - Um Brian De Palma decepcionante marcou o último dia de competição em Veneza. Passion, remake de Crimes de Amor, do francês Alain Corneau, visita, em clima hitchcockiano, as rivalidades no mundo corporativo.

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Rachel McAdams e Noomi Rapace são antagonistas numa agência de publicidade. Noomi tem a ideia genial, mas Rachel a apresenta como sua aos chefes. Quer descolar uma vaga em NY e está disposta a tudo para consegui-la.

Essa trama é pretexto para De Palma exibir seus dotes de citação e reprocessamento, mas, desta vez, sem grande inspiração. Tanto assim que Passion foi recebido com vaias, mais ainda que o, até então campeão no quesito apupos, israelense Fill the Void. Não que Passion seja pior. Tem até momentos interessantes, embora paire no ar a sensação de déjà vu. As vaias devem ser entendidas no contexto da frustração. Quando se espera muito, e se é decepcionado, a reação tende a ser agressiva.

Na defensiva, De Palma foi lacônico na coletiva de imprensa. Parecia pressentir algum tipo de questionamento, que não veio. Mesmo assim, preventivamente, tratava de desqualificar as perguntas, ou fazer piadas evasivas.

Na parte em que conseguiu ser sério, definiu Passion como thriller erótico, fiel à sua inspiração de sempre em Hitchcock. Procura de fato ter esse clima, mas um artificialismo o joga para baixo. Que ninguém diga que não é bem filmado, mas falta-lhe alma, o que no cinema é essencial. No entanto, a história poderia ser bastante instigante. Christine (Rachel McAdams) é uma manipuladora essencial, mas encontra uma parada dura em Isabelle (Noomi Rapace). São o espelho uma da outra. De Palma trabalha sempre com essa noção do engodo da imagem. Por exemplo, Christine às vezes gosta de transar usando uma máscara... de si mesma. Artefato que lhe causará problemas.

Nesse jogo especular, o espectador é jogado num crime cuja autoria não lhe parece difícil de decifrar, mas cuja solução lhe escapa, bem como ao ingênuo detetive incumbido de desvendá-lo. A história se passa na Alemanha, embora "viaje" a outros países. Assim como Woody Allen, De Palma também têm dificuldades em ser financiado nos EUA.

Sobre o remake de um dos seus grandes sucessos, Carrie, a Estranha (1976), que está sendo feito pela diretora Kimberley Peirce, De Palma foi diplomático: "Kimberley é ótima diretora; vamos ver no que dá o filme".

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Já o último concorrente, o italiano Un Giorno Speciale (Especial), de Francesca Comencini, foi recebido com indiferença. Nem vaiado foi. Muito menos aplaudido. O título, isso que é o pior, evoca um clássico do cinema italiano - Una Giornata Particolare, de Ettore Scola. São dois projetos que se desenvolvem num único dia, e isso é tudo o que têm em comum. O de Scola como encontro entre Marcello Mastroianni e Sofia Loren no quadro da Itália fascista. No de Francesca, há também um casal, a candidata a "modelo e atriz" Gina (a estreante Giulia Valentini) e o motorista (Filippo Scicchitano) de um poderoso, um senador que se propõe ajudar a moça em sua carreira. Em troca já se sabe de quê.

"Há no filme uma relação com a beleza que não é gratuita", diz Francesca. "Gina é uma bela moça. A beleza é uma mercadoria. Sobretudo para a mãe, que a transfere para a filha. Há no nosso país essa relação obsessiva com a beleza, que pode levar a situações vistas no filme." A possibilidade de ascensão social por intermédio da filha não é estranha ao cinema italiano, tampouco. Basta lembrar de Belíssima, de Luchino Visconti, no crepúsculo do neorrealismo e já denunciando a sociedade do espetáculo (expressão que nem existia ainda). Sem comparar um filme com outro, é o mesmo veio ficcional de Un Giorno Speciale.

Fora de um contexto de festival, Um Dia Particular poderia ser visto como um filme simpático, talvez esquecível. No conjunto de uma mostra competitiva, ainda mais formada por concorrentes fortes e ambiciosos, expô-lo chega a ser uma judiação.

 

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