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No filme 'Entardecer', de László Nemes, nada é claro nem é para ser

'Entardecer', em cartaz em São Paulo, é sobre o nascimento do século 20 e o diretor húngaro se recusa a dar informações adicionais para ajudar a entender o filme; assista ao trailer

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:
Juli Jakab é Írisz na Budapeste do fimdo império austro-húngaro Foto: California Filmes

Desde que seu longa Entardecer foi exibido nos festivais de Veneza e Toronto, no ano passado, o húngaro László Nemes tem falado muito sobre suas opções narrativas, mas tem sido um tanto discreto quanto ao tema do longa que estreou no Brasil no dia 2.

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Na coletiva que pode ser pesquisada no site de Veneza chegou a exasperar-se. “Não me peçam nenhuma informação adicional para ajudar a esclarecer as coisas.” Para ele, Entardecer é sobre o nascimento do século 20, a partir de um mergulho nas profundezas da alma humana.

Objetivamente, o filme adota o mesmo parti pris narrativo de O Filho de Saul, o longa anterior de Nemes, premiado em Cannes e no Oscar (com a estatueta de filme estrangeiro). Câmera grudada no personagem, reproduzindo seu ponto de vista ou direcionando o olhar. Não por acaso, o cineasta filma repetidas vezes a nuca da Juli Jakab, que se assemelha (um pouco) a Emma Watson, da série Harry Potter.

Nemes raramente abre os planos, permanecendo com seu campo limitado. E são planos-sequência de certa duração, para dar uma ideia de continuidade. É, claramente, um diretor que controla o que o espectador deve ver. Essa parcimônia não é só estilo, mas também carrega uma intenção dramática.

Em O Filho de Saul, o protagonista é um judeu que trabalha na limpeza dos fornos crematórios do campo de extermínio e busca encontrar o cadáver do filho, para lhe dar um enterro ritual. Aqui, a protagonista, Irisz Leiter, também busca alguma coisa. De volta a Budapeste, em 1913, no momento em que o império áustro-húngaro ainda está no auge, mas vai ruir, ela tenta conseguir trabalho no ateliê que pertenceu a seus pais. Descobre que a Casa Leiter vive um momento singular. O nome é malvisto por conta de um crime que teria sido cometido pelo irmão.

Ela busca esse irmão ligado a um grupo terrorista. E como a busca de Saul revelava toda a barbárie do nazismo, lançando um outro olhar sobre o Holocausto, a busca de Irisz é ferramenta para que Nemes reflita sobre a crise que lançou a Europa na Primeira Grande Guerra. Como a destruição segue-se ao ápice da civilização. Todo o movimento do filme converge para o final nas trincheiras, como se Nemes estivesse tentando decifrar os motivos daquela guerra. 

É um filme rigoroso, opressivo e belo – à sua maneira. Música, fotografia, direção de arte e figurinos recriam um mundo destinado a desaparecer.

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Uma frase é decisiva – “Toda essa beleza do mundo (representada pelos elegantes chapéus da Casa Leiter) não basta para esconder o horror.” O fato de ser uma protagonista não se liga só a esse conceito de beleza, mas ao fato de o filme querer discutir a condição da mulher no alvorecer do século passado. A viúva do homem supostamente brutalizado pelo irmão de Irisz sofre o violento assédio de um aristocrata e, no próprio ateliê, há uma trama meio velada segundo a qual uma das trabalhadoras será premiada para servir na corte, mas esse prêmio carrega algo de sórdido. 

Tráfico de mulheres, prostituição? A chave é a relação de Irisz com o irmão o lugar (dele?) que ela ocupa ao se vestir de homem. Nada é claro, nem é para ser. O limite, a forma impõe-se ao conteúdo e o filme provoca uma admiração gélida. 

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