PUBLICIDADE

No Festival do Rio, Première Brasil mostra sua força

Depois de um começo mais ou menos, menina dos olhos do evento deslancha com belíssimas obras

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

RIO - Há uma mostra intitulada A América Maldita, dedicada a Michael Cimino, que traz a íntegra da obra do polêmico diretor norte-americano, incluindo seus dois maiores filmes, o premiado (com o Oscar) O Franco Atirador, sobre os efeitos da Guerra do Vietnã numa pequena cidade da Pensilvânia, e O Portal do Paraíso, western desmistificador em que imigrantes europeus confrontam latifundiários - famoso por levar a empresa United Artists à bancarrota.

PUBLICIDADE

Há outra mostra, Seis Vezes Roberto Rossellini, em homenagem à Cinemateca de Bolonha, com obras restauradas do autor - Roma Cidade Aberta, La Paura, Viagem à Itália, Índia, etc. É sempre arriscado dizer isso, mas Rossellini é sempre mais importante que bom, um autor influente, mas cujos filmes não resistem muito bem - nem todos, pelo menos.

E há a Première Brasil, menina dos olhos do Festival do Rio - e do próprio repórter. É diferente assistir a um filme brasileiro com première mundial no Rio. Nenhum outro festival reproduz esse calor, essa vibração. Depois de duas - mais ou menos, menos que mais - incursões pela política, com O Fim e os Meios, de Murilo Salles, e Prometo Um Dia Deixar Essa Cidade, de Daniel Aragão -, a Première Brasil deslanchou no sábado com dois belíssimos programas, um na seção Novos Rumos, outro, na competição. São 69 filmes concorrendo, entre longas, curtas e documentários.

Chama-se Trem Chic a produtora de Éder Santos, com a qual o produtor André Hallak e ele fizeram Deserto Azul. Mineiramente falando, pode-se dizer que o trem chique é o filme, talvez o mais difícil objeto de identificar do cinema brasileiro recente. Uma ficção científica realizada com sofisticação, Deserto Azul mostra a trajetória de um personagem (através da transcendência?) por meio de universos imaginados e paralelos, que o diretor constrói com videoinstalações de 11 artistas contemporâneos.

Baseado num texto de Yoko Ono - e ela aprovou o resultado -, Deserto Azul baseia-se no princípio da repetição e em sucessivas viagens (interiores?) que ‘ele’ (o personagem não tem nome) realiza para elevar sua consciência e decifrar os mistérios da alma e dos sentimentos. Prepare-se para o choque. Para ver Deserto Azul, é preciso ir munido de seu celular, que vai funcionar como tela auxiliar. Por meio de um endereço xis, é possível acessar o tempo todo informações que complementam a grande tela. Se o público hoje não desliga do celular, Éder Santos o agrega. E faz história.

Chico Teixeira admitiu para o repórter que estava nervoso, roendo as unhas, do lado de fora da sala que exibia seu novo longa, Ausência. Talvez o título não seja o melhor, mas o filme é. Depois de A Casa de Alice, outro retrato de família desestruturada, uma mãe enlouquecida, carente, bêbada e um filho inseguro sobre sua identidade sexual. A ausência é a do pai (que sumiu), da mãe (que deserta dele). O garoto procura afeto no professor gay. Parece que o filme vai por um rumo, mas toma outro. Algo se passa no cinema brasileiro, e só pode ser um espelho do Brasil. Os melhores filmes do ano têm temática GLBT - Praia do Futuro, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, Ausência. O festival do Rio fez bem ao instituir o troféu Félix. Só falta chamar Mateus Solano, da novela Amor à Vida, para entregá-lo.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.