PUBLICIDADE

"Nina" traz Dostoievski para centro de SP

Primeiro longa do diretor pernambucano Heitor Dhalia, Nina é uma releitura de Crime e Castigo com Guta Stresser no papel principal e o centro de SP em lugar da Moscou do século 19

Por Agencia Estado
Atualização:

Desde que começou a rodar Nina, no dia 7 de janeiro, o diretor pernambucano Heitor Dhalia desenvolveu uma rotina incomum. É um dos primeiros integrantes da equipe a chegar no set, com os motoristas, maquinistas e outros trabalhadores que preparam cenários e deixam tudo pronto para o início das filmagens, às 7h. "Simplesmente, não consigo dormir", diz ele, em um dos quartos do hotel Cambridge, no centro de São Paulo, onde foi filmada uma cena de festa na noite anterior. "Acordo às 4 horas da manhã e fico totalmente desperto. Só me resta tomar um banho e ir para o trabalho. Não me importo, afinal, é o resultado de dois anos e meio de planejamento. O mínimo que posso fazer é estar lá antes de todo mundo." Quando fala em planejamento, Dhalia não está fazendo marketing de sua dedicação profissional. Há dois anos e meio, ele vem trabalhando febrilmente na elaboração de Nina, sua estréia como diretor de longa-metragem de ficção. Escrito em parceria com o roteirista e escritor Marçal Aquino, colaborador habitual do diretor paulista Beto Brant, o filme é uma adaptação livre de Crime e Castigo, uma das obras mais significativas do escritor Fiodor Dostoievski e um clássico da literatura russa. A dupla transportou o drama de Raskolnikof da Moscou decadente do século 19 para o centro urbano de São Paulo no início do século 21. Foram escritos 12 tratamentos ao longo desse processo. Raskolnikof transformou-se em Nina, uma garota moderninha de 20 e poucos anos, ambiciosa e cheia de esperança, mas também atormentada pela falta de perspectiva e a solidão perene. A atriz paranaense Guta Stresser, de 30 anos, a Bebel do seriado de televisão A Grande Família, da Rede Globo, não só faz o papel-título como também inspirou o projeto. A veterana atriz e comediante Míriam Muniz sai de seu habitual registro para encarnar Eulália, dona do apartamento onde Nina aluga um quarto. Ela é a responsável pelos principais tormentos da inquilina. O elenco traz ainda, nos papéis secundários, um mix formado pela nova geração do teatro paulistano, como Sabrina Greve, Juliana Ghaldino e Wagner Moura, e atores veteranos e que podem ser considerados como tais, casos de Selton Mello, Matheus Nachtergaele e Renata Sorrah. Nina está sendo rodado em várias locações e em um estúdio ao redor do centro de São Paulo. O hotel Cambridge, que hoje em dia faz parte do circuito da badalação noturna paulistana, é apenas um dos locais. Além de facilitar a vida da produção, essa "centralização" faz parte da idéia do filme. Dhalia, que mora na cidade há dez anos, explica. "Limitamos o filme a uma geografia urbana bem central, onde existe um bolsão de miséria humana convivendo de perto com a prosperidade. Além de ser uma característica de todas as principais capitais do mundo, tem tudo a ver com o drama psicológico dessa menina que não tem grana e se desconecta paulatinamente da realidade." O início - A gênese do projeto vem do ano de 2000, quando Dhalia foi ao teatro assistir à montagem de Mais Perto, do inglês Patrick Marber, produzida por Renata Sorrah, com direção do cineasta Hector Babenco. Guta fazia o papel de Alice, uma stripper tão desesperançada e perdida quanto sua personagem no filme. O diretor apaixonou-se completamente pela atriz, por sua presença de palco e por sua capacidade de entrega ao personagem. Paixão esta, ambos fazem questão de frisar, puramente artística. "Depois de vê-la no palco, chamei a Guta para fazer um filme publicitário e ficamos muito amigos", conta ele. "Uma noite, depois que saímos, voltei para casa meio baleado, com febre, e tive uma idéia: fazer uma adaptação de Crime e Castigo e com ela no papel principal. Não sei nem como nem por que isso surgiu na minha cabeça, só sei que surgiu." A partir do momento em que começou a trabalhar no projeto, Dhalia jamais o abandonou. Ao contrário, trabalhou nele com afinco, desenvolvendo um planejamento minucioso. A cada dois ou três tratamentos do roteiro, um storyboard completo foi produzido, com os desenhos de cada plano. Os mínimos detalhes foram estudados, das falas à concepção de cor, dos figurinos às histórias em quadrinhos que Nina lê e desenha em cena. Os quadrinhos, aliás, são uma história à parte. Foram concebidos por Lourenço Mutarelli, desenhista de histórias em quadrinhos e escritor. Ele foi incorporado à equipe de criação no meio do processo. "O Lourenço foi um achado", elogia Dhalia. "Desde que apareceu, o roteiro deu uma guinada grande. Ele deu palpites em todas as áreas." Não por acaso, o primeiro romance de Mutarelli, O Cheiro do Ralo, foi escolhido pelo diretor como seu próximo projeto de longa-metragem. Esse planejamento detalhado e antecipado é a razão de um clima relativamente pacífico e alegre no set de Nina. Quando a equipe se reúne, praticamente todos os integrantes sabem o que será filmado e como será filmado - o que nem sempre é tão comum. O fotógrafo José Roberto Eliezer, que volta ao cinema de ficção após um longo período de jejum, está bastante animado. "Faz tempo que eu não via clima tão bom", disse. Com o diretor de arte Akira Goto, ele é responsável pela concepção visual do filme. Para acompanhar a trajetória sombria de Nina, a câmera terá um comportamento mais clássico e as cores serão amenizadas ao máximo. O filme está sendo rodado em Super 35 mm, o que permitirá um tratamento final de tela grande. Produzido pelos irmãos Caio e Fabiano Gullane por meio da Gullane Filmes, Nina tem orçamento de produção de R$ 2,5 milhões. Patrocinam o filme Brasil Telecom, BR Distribuidora, Eletrobrás e BNDES; Banespa Santander, Nossa Caixa, Infraero e Standard & Poors. Os irmãos, que com Nina fazem sua estréia como produtores independentes, podem captar ainda mais R$ 700 mil para promover a distribuição e lançamento do filme. Esse dinheiro poderá ser convertido em acordo com uma das grandes distribuidoras de cinema. "Estamos conversando com algumas, mas ainda é cedo para decidir", diz Caio.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.