Nem Cruise nem Penélope sustentam "Vanilla Sky"

Filme que aproximou as duas estrelas estréia no Brasil. Perto do orginal Abre los Ojos, de Alejandro Amenábar, produção de Cameron Crowe decepciona

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Por Agencia Estado
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Após dois êxitos sucessivos, Jerry Maguire - A Grande Virada e Quase Famosos, era possível apostar na qualidade do novo filme do diretor Cameron Crowe. A aposta revelou-se furada. Vanilla Sky, que estréia em cinemas todo o País, é uma decepção. Não adianta muito o carisma do astro Tom Cruise, muito menos a graça de Penélope Cruz, que não se afirma como símbolo sexual nem confirma o talento que parecia haver consolidado trabalhando com Pedro Almodóvar em Tudo sobre Minha Mãe. Na verdade, Penélope é bem chatinha falando inglês com aquele sotaque carregado e só tem uma cena boa, quando, pretensamente brava, esbraveja em espanhol, o amigo pergunta o que ela está dizendo e Cruise dá de ombros, sorrindo: "Não faço a menor idéia." Essa cena é emblemática porque, no fundo, é a metáfora do próprio filme. Vanilla Sky é a versão norte-americana de um filme espanhol - Abre los Ojos, de Alejandro Amenábar, lançado em vídeo no Brasil como Preso na Escuridão - e que Cruise viu, também em vídeo, gostando tanto que imediatamente comprou os direitos de refilmagem e ainda apadrinhou o diretor espanhol de origem chilena em sua estréia hollywoodiana, com Os Outros, interpretado por sua ex-mulher, Nicole Kidman. Embora entusiasmado com o suspense espanhol, a ponto de cooptar Crowe, seu diretor em Jerry Maguire, para o projeto, Cruise parece se comportar como seu personagem diante da explosão "espanhola" de Penélope. Eles (Cruise e Crowe) simplesmente não entendem o que Amenábar quer dizer e muito menos o que podem fazer do material, exceto recheá-lo de efeitos. Não se entenda por isso só os efeitos especiais - tomadas vertiginosas, acidentes espetaculares, corridas desenfreadas em carros envenenados. Os efeitos também são de outra ordem, mais sofisticados. Estão nos numerosos detalhes - quadros, filmes, referências musicais - que atravessam a narrativa, ampliando ainda mais o leque das possibilidades de interpretação do conflito armado pelo diretor Crowe (que também assina o roteiro). Consta que Amenábar gostou da adaptação. Chegou a fazer declarações nesse sentido na imprensa especializada dos EUA. Bom, deve estar querendo agradar a seu patrão, Tom Cruise, ou então também não entendeu o filme que fez. Cidade deserta - Vanilla Sky começa de forma intrigante. Uma voz sussurra em espanhol "Abre los ojos". Cruise, que no filme se chama David Ames, abre os dele, veste-se, sai de casa no carrão e se defronta com uma cidade deserta. A cena progride para um desfecho de impacto e do qual o protagonista desperta, desesperado, pois tudo, afinal, não passa de um sonho. Seguem-se os mesmos gestos que o espectador já viu, Ames sai de carro, encontra a rua cheia. Parece que tudo voltou à normalidade e foi mesmo só um sonho mau. Não é verdade. Vanilla Sky vai trafegar o tempo todo entre o sonho e a realidade ou entre o pesadelo e uma realidade que se revela ainda mais aflitiva. A linha mestra da história mostra Ames como um playboy milionário e mulherengo. Ele herdou do pai um império editorial - e aí o nome não deixa de ser uma brincadeirinha de Crowe com o escritor Martin Amis. Ames passa a noite com uma mulher, a amante rejeitada se vinga provocando a própria morte num acidente, Ames fica com o rosto deformado e vai para a cadeia, acusado de assassinato. Nada é claro. O filme parece expressar a perturbação psicológica (psicótica?) de um homem acometido de grave surto de esquizofrenia. O quebra-cabeça resolve-se no desfecho por meio de uma explicação que parece ser a resposta de Cruise aos que o acusam de estar entregue a uma organização (religiosa? científica?) que manipula as mentes das pessoas. De forma mais simplificada - e Hollywood trabalha sempre com a simplificação, para tornar os filmes palatáveis para o público médio -, talvez se possa ver Vanilla Sky como o caminho percorrido por um homem para livrar-se do seu pavor das alturas, a mesma vertigem que dificultava a vida de Scottie, o personagem de James Stewart na obra-prima Um Corpo Que Cai, de Alfred Hitchcock. Não por acaso, o filme termina com uma queda, à qual se superpõe, de novo, o sussurro "Abre los ojos", com o qual se inicia Vanilla Sky. É um filme visualmente bonito, com muitos toques sofisticados (as referências a Jean-Luc Godard, François Truffaut e Billy Wilder). Na história de Ames não deixa de estar embutida a grande virada que mudava a vida de Jerry Maguire. Ames desperta para um novo significado do mistério da existência, mas Vanilla Sky não consegue ser, como o original Preso na Escuridão, uma crítica à alienação do homem moderno. À força de muito querer significar, o filme não significa nada. Termina sendo, ele próprio, alienante. É um passo em falso do talentoso Crowe. E um monumento ao narcisismo do astro Cruise. Vanilla Sky (Vanilla Sky). Direção de Cameron Crowe. Duração: 130 minutos. 14 anos.

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