Nas salas visitadas pelo ‘Estado’ no fim de semana, pouca gente via os ‘Os Dez Mandamentos’

Experiência não configura o superêxito que a Paris Filmes trombeteia, todo dia anunciando os recordes da versão para cinema do épico bíblico da Record

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

No Playarte Marabá, no centro de São Paulo – um cinema popular, de rua –, a bilheteira, que pede para não se identificar, informa o repórter. “Se tem lugar? Tem todos, a sala está praticamente vazia.” Ela dá sua interpretação. “Ouvi que os pastores compraram as lotações de Os Dez Mandamentos e distribuíram para os fiéis, mas eles não estão vindo em massa, não. De tarde, aparece um pessoalzinho.” Um ‘pessoalzinho’, como define a profissional da bilheteria, não configura o superêxito que a Paris Filmes trombeteia, todo dia anunciando os recordes da versão para cinema do épico bíblico da Record.

No Espaço Itaú Pompeia, outra funcionária informou que ‘alguém deles’ comprou todas as sessões de domingo, 31, e só havia ingressos disponíveis para esta segunda, dia 1.º. Mas ela não disse quantos espectadores havia na sala nem se estava cheia. Em lugar nenhum, o repórter viu sinais de alvoroço nem tumulto, como nos blockbusters de Hollywood. Outro exemplo – no Cinemark Eldorado, a sessão de sábado (19 horas) de O Bom Dinossauro, em cartaz há diversas semanas, lotou rapidamente, enquanto sobravam lugares para os Mandamentos. De volta ao Marabá, na sessão das 11h30 de domingo, havia míseras 13 pessoas na plateia enorme da maior sala da casa, incluindo o repórter (que pagou seu ingresso). Regina, professora, presumíveis 60 anos, não quer saber de conversa. “Se comprei meu ingresso? Claro, quem ia me dar?” E ela reclama. “Sou evangélica, sim, mas não sou nenhuma ignorante. Gostei porque é bom.”

Fiéis. Eliane e Elaine integraram a plateia reduzida do Marabá: “Agora é esperar pela segunda parte” Foto: DANIEL TEIXEIRA|ESTADAO

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Lourdes, de 70 anos, foi ver o filme com uma amiga. Também gostou, achou melhor que a novela, mesmo que essa seja uma versão compacta. “Ficou mais bonita na tela do cinema.” Outras amigas, Eliane e Elaine, de 47 e 55 anos, exibem seus ingressos – “Nós compramos.” As duas assistiram à novela e foram ao Marabá atraídas pela possibilidade de reviver na telona as emoções da telinha. “É muito bonito, muito bem feito. Tem uma mensagem.” Despedem-se, mas Eliane volta para perguntar qual é o jornal. E para comentar – “Agora é esperar pela segunda parte. Estamos loucas para ver.” A empresa proprietária do conjunto de salas, a Playarte, e a Paris aproveitam e exibem trailers de outras produções bíblicas a caminho. Ressurreição, com Joseph Fiennes, O Jovem Messias, baseado no livro de Anne Rice. São filmes de Hollywood meio parecidos com os telefilmes bíblicos que o norte-americano Roger Young fazia nos anos 1990, inclusive um Moisés com Ben Kingsley. Renato, de 44 anos, gostou dos trailers e anuncia que vai ver os dois. “Não sou crente, mas adoro as histórias da Bíblia.” Ele não achou Os Dez Mandamentos “nem um pouco inferior aos filmes estrangeiros. O cara que faz Moisés (Guilherme Winter) é muito bom”.

O repórter desloca-se para uma sala mais sofisticada de shopping. Escolhe o Arteplex Frei Caneca, que invariavelmente lota, aos domingos. A sessão das 14 horas está terminando. A funcionária na porta da sala 2 conta os ingressos. “Tem uns 50 aqui.” A sala tem ‘200 e poucos lugares’, portanto, menos de 1/4 da lotação. Mas ela faz a ressalva. “Desde a quinta-feira (28), quando o filme estreou, algumas sessões lotaram, sim.” Paulo e o amigo Alexandre, ambos na faixa dos 30 anos – “Para que quer saber a idade?” –, são frequentadores do Frei Caneca. Estão na fila para ver Carol, de Todd Haynes, que está candidatando Cate Blanchett e Rooney Mara para os prêmios da Academia. Não, eles não vão ver Os Dez Mandamentos. Por quê? “Ah, porque é porcaria, né? Leio a crítica e não vejo ninguém elogiar.”

Marcos, presumíveis 70 anos, e sua acompanhante mais jovem, Regina, também são frequentadores do Frei Caneca e estavam saindo da sessão de Os Dez Mandamentos. Compraram seus ingressos – mas nenhum entrevistado pelo repórter comprou antecipadamente, ou pela internet. Marcos e Regina tiveram opiniões divididas. Ele gostou, médio; ela não gostou, nada. “Sou judeu, meu amigo, e me criei na escola aprendendo e discutindo os textos sobre o êxodo do meu povo. Não achei especial, mas os efeitos ficaram decentes na tela grande. Ela (aponta para a acompanhante) não gostou porque viu a novela.”

E Regina – “Ah, não teve novidade nenhuma. Só a mesma coisa da novela e, mesmo assim, muito corrido. Esperava mais. Li que ia ter novidades (alguma antecipação da segunda temporada). Estou decepcionada.” É verdade que a amostra colhida pela reportagem representa pouquíssima gente, mas desde a estreia de Os Dez Mandamentos, o filme tem feito a festa nas redes sociais. Na quinta e sexta, pipocaram comentários ironizando os números superlativos da venda antecipada de ingressos. Surgiram piadas. “Só tinha anjinhos na plateia, por isso a gente não via”, podia-se ler no Facebook. Mas a Paris, distribuidora de blockbusters nacionais – as comédias – e estrangeiros – as séries Jogos Vorazes, Insurgente e Maze Runner –, segue alardeando números bombásticos.

Segundo uma nota da Paris, “com exibição em mais de 1.100 salas, o maior circuito do cinema brasileiro, Os Dez Mandamentos – O Filme chegou a 600 mil ingressos vendidos nas bilheterias somente no dia de estreia” (quinta, 28). “Esse número reflete 70% dos ingressos vendidos em todos os cinemas do País, com média de 550 espectadores por sala – e em uma quinta comum, que não precede feriado, o que representa um resultado impressionante”, ressalta o comunicado. “Para se ter a real dimensão do que representam estes números, em apenas um dia Os Dez Mandamentos fez aproximadamente metade do público do fim de semana inteiro de estreia do filme Tropa de Elite 2, o antigo recordista de público do cinema nacional.” Depois de bater a Globo na TV, com os capítulos da abertura do Mar Vermelho da novela, a Record está levando para os cinemas a disputa com a Globo, cujo braço no cinema, a Globo Filmes, é parceira de Tropa de Elite 2. Os próximos dias serão decisivos para se avaliar a real grandeza do sucesso anunciado, e mais que isso, programado de Os Dez Mandamentos – O Filme.

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