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'Não sou desses artistas que precisam de isolamento para criar. Eu preciso da vida', diz Maïwenn

Diretora lança 'DNA', que parte do luto pela morte do patriarca de uma família argelina para falar com bom humor sobre dramas familiares

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Bela e selvagem. Nascida no subúrbio parisiense – completou 45 anos em fevereiro –, Maïwenn é irmã da atriz Isild Le Besco. A própria Maïwenn às vezes assina Maïwenn Le Besco. Ganhou projeção internacional com seu terceiro longa como diretora, quando Polisse recebeu o prêmio do júri no Festival de Cannes de 2011 – só para lembrar, A Árvore da Vida, de Terrence Malick, venceu a Palma de Ouro daquele ano. De volta à competição cannoise, Maïwenn viu sua atriz, Emmanuelle Bercot, receber o prêmio de melhor atriz de 2015, por Meu Rei

Cena do filme 'DNA', com Fanny Ardant e Louis Garrel Foto: Malgosia Abramowska

Seus filmes muitas vezes parecem psicodramas. São intensos, interpretados por atores com a emoção à flor da pele, e que a autora – não é só uma diretora – leva ao limite. Na quinta, 30, estreou mais um filme por ela escrito, dirigido e interpretado. Maïwenn é uma mistura muito interessante de etnias e nacionalidades. Tem ascendentes argelinos, bretões, franceses e vietnamitas. O novo longa nasceu da urgência, provocado por perdas, como a morte do avô, que a levaram a refletir sobre suas origens. Foi com DNA que ela também conseguiu realizar o desejo de trabalhar com Fanny Ardant. A entrevista que se segue foi feita por e-mail.  Um bom começo foi falar sobre o elenco, Fanny Ardant. “Para o papel da mãe, eu queria que fosse ela. Há anos queria trabalhar com Fanny. Depois de um podcast que eu ouvi dela, não tive mais dúvida. Essa mulher me fascina, na arte como na vida.” Existe espaço para improvisação em seu cinema? “Tudo é sempre muito escrito, mas eu peço aos atores que não se prendam ao texto. Quando se trabalha com a emoção, como eu, é preciso aprender a escutar. Alguns atores e atrizes têm dificuldade para entender que a gente só encontra o próprio caminho escutando os outros.” Neige, a personagem que a própria Maïwenn interpreta, vive um pouco à deriva, quando se trata de raízes. O filme nasceu de um processo longo de questionamento? “Não, pelo contrário, veio num jorro. Trabalhava havia anos num projeto longo, caro, que parecia não andar. E aí vieram as perdas. Senti que era o momento de me expressar sobre o tema das minhas origens. DNA nasceu como uma necessidade vital para mim.”  Difícil não pensar, a propósito do filme, em obras como O Ódio, de Mathieu Kassovitz ou o excepcional Os Miseráveis, de Ladj Ly. Como DNA foi recebido na França? “Foi muito bem, mas, como todos os filmes no ano passado, foi atingido pela pandemia. A cultura, nesses momentos, torna-se secundária. O governo abriu as igrejas durante o confinamento, mas não os cinemas nem os teatros e para mim isso revela muita coisa sobre a nossa sociedade. Creio que todas as profissões, toda a vida social precisarão de anos para se recompor.”  Uma cena importante é quando a família discute se o avô será enterrado de terno ou com a veste tradicional argelina. A arte de Maïwenn é feita de observação, e sutileza. “É verdade, e eu agradeço pelo que, para mim, é um cumprimento. Desde criança aprendi a observar as pessoas, a escutá-las. Tenho esse olhar para os detalhes, que uso na hora de dirigir os atores.” Existem cenas em que os personagens parecem próximos da histeria. Como os atores chegam lá? “Não sei o que esse termo significa em cinema. Histeria? Quero somente que meus filmes se assemelhem à vida, e na vida todo mundo grita!” Para tentar chegar ao limite, Maïwenn deve preparar muito a cena, deve filmar muito, também. Como é a montagem? “Filmo muito, sim, e às vezes sigo filmando por garantia, mesmo após a cena atingir o que considero o estado de graça. A montagem é primordial, demoro pelo menos seis meses montando. E monto sempre com a mesma profissional, Laure Gardette, que tem sido a montadora de meus filmes desde o primeiro. Ela é essencial. Na minha vida íntima, também.”  Como foi o confinamento na pandemia? “Muito mal. Assisti a filmes compulsivamente. Foram 93 em dois meses. Paris estava deserta, eu estava sozinha, longe dos meus entes queridos. Não quero me lamentar, mas não sou desses artistas que precisam de isolamento para criar. Eu preciso da vida.”  O repórter estava presente nos grandes momentos de triunfo da autora em Cannes. Que lembranças ela guarda do festival? “Tenho lembranças muito contrastadas de Polisse e Meu Rei. Aquilo foi ao mesmo tempo magnífico e muito violento. É preciso armar-se para ir a Cannes. É preciso estar preparado para o melhor e o pior, e o pior muitas vezes vem da própria equipe. Procuro relativizar. É só cinema. Não é tão grave, no fundo.” 

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