Não fez nada e ganhou Hollywood

O carioca Pedro Andrade é protagonista do novo filme de David Lynch. Ele derrotou o galã Matt Damon nos testes por ter ficado quieto como o diretor mandou

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Por Agencia Estado
Atualização:

O nome Pedro Andrade ainda não significa nada para a grande maioria dos brasileiros. Ainda. Esse modelo carioca, de 23 anos, está prestes a aumentar a pequena lista de celebridades brasileiras que fazem sucesso no exterior - e que conta com o nome de tops como Gisele Bündchen e Adriana Lima. Pedro - é assim, com intimidade, que ele quer que o mundo o conheça -, acaba de conseguir um feito histórico: ser protagonista de um filme do aclamado e polêmico diretor americano David Lynch de - Veludo Azul e Cidade dos Sonhos, Twin Peaks, entre outros. O que levou Lynch a selecionar um ator desconhecido, com sotaque brasileiro, para um papel concorridíssimo? A obediência. "Pelo menos foi isso que ele me disse", conta Pedro. No último teste do processo de seleção, Lynch acendeu uma luz sobre o rosto do garoto e disse: "Não faça nada até eu mandar". Pedro ficou 20 minutos parado, quieto, olhando para o diretor. "Mais tarde Lynch me contou que os outros se mexeram, falaram ou riram. Eu não, não fiz nada." Para conseguir o papel em Our Lady of Sorrow, Pedro derrotou nos testes os astros hollywoodianos Matt Damon (de Gênio Indomável) , Wes Bentley (o jovem traficante de Beleza Americana) e Tom Welling (da série Super Homem). A trajetória do ator de traços europeus e ascendência nordestina (a família da mãe é de Pernambuco e do pai do Rio Grande do Norte) é similar à das belas modelos européias e americanas que conquistam o seleto mercado cinematográfico americano. Se fosse um filme poderia ser resumida na sinopse "ex-modelo vai tentar a vida em Nova York e dá certo". No caso de Pedro, a viagem para a capital do mundo teve mesmo esse objetivo: ´chegar lá´. - O convite, ainda no Brasil, para ter sua imagem estampada em editoriais de revistas de moda fez com que ele aventurasse a ser modelo e provocou a frase-clichê: "Nunca tinha pensado nisso antes, até ser convidado para fazer umas fotos". Pedro diz que, na escola, era o anti-bonitão. "Era um ´nerd´", conta. "Usava aparelho nos dentes, óculos fundo de garrafa (ele é míope) e andava meio corcunda porque sou muito alto. E ainda por cima, narigudo. Não sei como a ´olheira´ me enxergou por trás daquilo tudo". Apesar do rosto sem traços perfeitos, ele agradou e trabalhou bastante fazendo desfiles e fotos no Brasil. A ida para os Estados Unidos foi por conta própria. "Fui batalhar uma agência lá e tive sorte de conseguir logo uma que me aceitasse, em menos de um mês". Fazendo caras e bocas para fotógrafos estrangeiros, ele conseguiu pagar os cursos de interpretação que realmente o motivaram a ir para Nova York. O primeiro que cursou foi o do Actor´s Studio, que durou quatro meses e custou US$ 2 mil. O segundo foi no Ester Studio, onde ele montou com os colegas de classe duas peças off-Broadway: ´Kiss´ e ´Pericles´. Em seguida, foi estudar a linguagem de cinema na New York University e lá conheceu o diretor Alinson Cole, que o chamou para fazer um filme independente chamado ´Dinner´, no qual ele interpretava um argentino. Depois, foi chamado para trabalhar num outro independente, ´The Dress´, com Peter Hagist. "E aí é que minha vida mudou porque Hagist havia sido assistente de David Lynch e me disse que ele estava testando atores". A possibilidade de fazer um teste com Lynch - de quem Pedro é fã declarado - quase o paralisou. "Cheguei até a porta e fiquei enrolando para entrar. Estava apavorado. Quando comecei a ver um monte de gente conhecida no lugar, como o Matt Damon, fiquei me perguntando: ´o que estou fazendo aqui?´". O primeiro teste foi feito e depois dele houve mais 10, num total de quatro meses de trabalho e de espera. "Cada vez que passava numa fase ficava chocado. Para não estragar meu desempenho, passei a pensar que os testes não eram para um filme de David Lynch. Fui ficando tranquilo e consegui". Coleguinhas de elenco: sete mulheres mortas - Como é de se esperar de David Lynch, ´Our Lady of Sorrow´, filme em que Pedro Andrade trabalha, tem cenas e textos polêmicos e inquietantes. A trama - que o ator não pode revelar em detalhes por determinação do contrato que assinou - é um triller em que o personagem de Pedro é suspeito de matar a namorada, interpretada por Kirsten Dunst (de Homem Aranha). Pedro, que leu o roteiro do filme quando ainda estava fazendo testes, conta que mesmo sabendo da história teve dificuldade em participar de algumas cenas. Numa delas, teve de contracenar com oito mulheres mortas. "Fiquei sabendo, pouco antes de gravar a cena, que o diretor não usaria atores. Lynch teve o cuidado de não me deixar vê-las antes de começar a rodar porque queria captar minha expressão mais verdadeira quando eu entrasse no quarto e desse de cara com aqueles cadáveres". A experiência foi tão intensa para o brasileiro que naquela noite ele teve pesadelos. "Fiquei pensando quem eram aquelas mulheres e porque suas famílias haviam autorizado a filmagem de seus corpos". Em outra ocasião, Pedro teve de repetir por várias horas uma situação em que seu personagem joga a avó (Gloria Stuart, a senhora de ´Titanic´) do alto de uma escada. "Lynch queria que as flores que estavam num vaso estivessem murchas quando ela caísse. Fizemos várias vezes a mesma cena - com uma dublê no lugar da senhora, claro -, até que ele achasse que a imagem estava como imaginava". Pedro conta ainda que Lynch age com primor também na direção de atores. "Adoro ser dirigido e ele tem um estilo detalhista, minucioso. Dizia: ´quando falar isso, coloque a mão no bolso, depois coce a cabeça´. Enfim, ele explicava tudo". ´Our Lady of Sorrow´ foi rodado de maio a agosto deste ano num estúdio de Nova York e teve externas em Long Island e no Tenesse. O filme começou a ser editado recentemente e deve estrear no festival de Sundance em fevereiro de 2003. Pedro sabe que estrelar um filme de Lynch não significa ser conhecido por grandes platéias, mas tem certeza de que oportunidade irá abrir portas até então fechadas a ele com cadeado. Ele já foi convidado para fazer o filme Misses para o Rio, de Beto Brant, diretor de O Invasor; uma minissérie da rede Globo e agora está participando de testes para um seriado da NBC. O garoto não descarta a possibilidade de fazer novelas no Brasil, mas disse que sua prioridade é o mercado internacional. "Tem gente que está há anos tentando trabalhar fora do País. Como comecei por lá, não vou desperdiçar esta chance".

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