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'Não escolhi tema de Além da Fronteira por tratar da questão gay, mas por ser uma boa história', diz diretor

Filme fala de relacionamento entre um estudante palestino e um advogado israelense

Por Flavia Guerra
Atualização:

Quando esteve em São Paulo, no início de novembro, para a exibição de seu primeiro filme, Além da Fronteira, no Festival Mix Brasil, o diretor norte-americano Michael Mayer se surpreendeu tanto com o interesse do público quanto da imprensa. “Agora eu sou super famoso no Brasil. Nunca imaginei que tanta gente iria querer conversar comigo sobre o meu trabalho”, brincou ele em conversa com o Estado.

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Além da Fronteira conta a história de amor entre Nimer e Roy, que se apaixonam à primeira vista. Seria mais uma história de amor como tantas, não fossem Roy e Nimer dois rapazes. O primeiro é um estudante palestino. O segundo, um advogado israelense.

Não bastassem as diferenças culturais e religiosas entre as famílias de ambos, eles ainda têm de lidar com a questão da homossexualidade em uma terra em que o assunto é mais do que velado. “Diria que é mesmo um tabu. Conheci alguns casais gays que viviam a mesma situação que a do filme. A forma como cada um deles geria esses relacionamentos, com a sociedade e a família, dependia muito da origem deles.

“O que valia a pena era a forma como essas pessoas, seja qual fosse o país, a religião ou cultura, ajudavam umas às outras”, comentou Mayer. “Mais do que fazer um filme político ou panfletário, vital era revelar os dramas humanos, os sentimentos de cada um”, diz o diretor. “Quando um amigo me falou dessa questão real do Oriente Médio, senti que era uma história que tinha de ser contada. Muitos palestinos como Nimer têm de lidar com o problema de não poder viver como cidadão em Israel. E a vida de um casal como o deles fica como?”, questionou o diretor, que já tem outros dois projetos engatilhados para 2014. Um deles é o drama sobre um jogador de futebol americano. “É uma história forte, que também precisa ser revelada. Não escolhi o tema de Além da Fronteira por tratar da questão gay, mas, sim, por ser uma boa história, humana, que vale a pena ser contada.”

 

 

Você afirmou que é um filme que fala muito mais de intimidade do que de política.Tenho me surpreendido, pois mostramos esse filme em grandes e pequenos festivais gays. E nossa intenção sempre foi falar de uma história universal, sobre amor, intimidade, família, lealdade. E o público se identifica com isso.

Para você, como foi entrar nesse universo?Sou de origem israelense, mas vivo em Los Angeles. Então, para escrever o roteiro, viajei a Israel para fazer pesquisas. Já conhecia a comunidade gay israelense, mas não sabia nada sobre a palestina. O que mais toca quando se conhece e conversa com quem viveu histórias como a do filme não é a parte política, mas sim quando eles contam sobre quando falaram com suas mães ou de quando foram postos para fora de casa. Muito mais emocionantes do que quando contam sobre quando foram presos ou sobre seus interrogatórios.

E no fim das contas o pior julgamento é o daqueles que amamos.Exato. É pior ser julgado pela família do que levar uma surra da polícia. Sentimos então que essa deveria ser a abordagem do filme. Há a questão política, mas funciona mais como pano de fundo. As pessoas vêm falando sobre a questão da palestina e de Israel por tanto tempo que se esquecem que há pessoas reais vivendo lá.

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Quando a gente cresce em um contexto é difícil olhar de outro ponto de vista. Vivo em Los Angeles há 18 anos e toda vez que volto a Israel, simplesmente não entendo. Já não vejo mais a diferença entre um e outro. As pessoas que vivem lá dizem em um segundo quem é palestino e quem é israelense. Mas até mesmo a geografia é a mesma. No filme, por exemplo, fizemos questão que tudo parecesse a mesma coisa. Quando mostramos para israelenses eles mesmos perguntam onde filmamos, em que rua era, até mesmo em que cidade era. E tenho que admitir, toda vez que deixo Israel, acho muito difícil entender como esse conflito tem durado tanto tempo.

Ao mesmo tempo que não quis fazer um filme político, tampouco me parece que você quisesse fazer um filme gay. Mas sim contar uma história de amor.Não queria filmar nada que desse a ideia de que estava ensinando algo. Mas que fosse emocionante. Se a história impacta emocionalmente o telespectador, é maior a chance de que ele vá para casa pensando no assunto e querendo saber mais sobre como vivem os gays na Palestina. A forma como a gente trata do assunto tem de mudar. É hora de entendermos o que sentem e passam essas pessoas.

Como é a comunidade gay local? Conheceu casais gays com palestinos e israelenses?Conheci alguns. Uns quatro mantinham relacionamentos que duraram mais tempo. A forma como cada um deles geria esses relacionamentos, com a sociedade e com a família, dependia muito da origem deles. O que era mais importante para mim era a forma como essas pessoas, seja qual fosse o país, a religião ou a cultura, ajudavam uns aos outros.

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Você está mostrando Além da Fronteira em vários festivais, tanto festivais ‘neutros’ quanto direcionados à temática e ao público gay. A recepção em cada um dos festivais é diferente? E os festivais de cinema judaico? Não. O público, gay ou não, tem recebido muito bem o filme. A única grande diferença é que nos festivais GLTB, a plateia sempre me pergunta se os atores protagonistas são gays ou não. Há essa curiosidade. Mas não, eles não são gays. Já os festivais de cinema judaico variam. Alguns querem e pedem o filme. Já outros não têm interesse algum.

A questão da sexualidade gay ainda é tabu em muitos países, apesar de a tolerância e as conquistas terem avançado. Sim. Há muitos avanços, mas também muito a ser feito ainda. Nos Estados Unidos, por exemplo, onde há uma aparente igualdade, tolerância e respeito, há também muito preconceito e até mesmo violência. Volta e meia há notícias de gays que são espancados, ofendidos... Isso tem que mudar.

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