'Não desisto de sonhar com um mundo melhor', diz o diretor Gianni Di Gregorio

Em ‘Cidadãos do Mundo’, idosos que reclamam de suas pensões sonham em mudar para um país de clima e preços melhores

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Gianni Di Gregorio iniciou-se tardiamente na direção, aos 50 anos, mas o cinema sempre esteve presente na sua vida. Garoto, ele utilizava a câmera do pai para fazer pequenos filmes domésticos. Tornou-se roteirista, ator. Em 2009, esteve no Brasil para mostrar Almoço em Agosto, no Festival do Rio. “Foi uma das viagens mais gratificantes da minha vida”, comenta, numa entrevista por telefone, de Roma. O assunto: seu novo filme, Cidadãos do Mundo, já em cartaz nos cinemas brasileiros. 

Gianni Di Gregorio, Ennio Fantastichini e Giorgio Colangeli Foto: Le Pacte

Desde que começou na direção, e graças a Almoço em Agosto, Gianni e as Mulheres e agora Cidadãos do Mundo, Di Gregorio tem feito filmes geracionais, para falar dos homens de sua geração. Está com 72 anos, completados em 19 de fevereiro. “Gosto de falar sobre aquilo que conheço. Meu amigo Matteo Garrone (o cineasta) me sugeriu que fizesse um filme sobre os pensionati (os aposentados). Comecei a pesquisar e terminei me apaixonando pelo assunto.” Di Gregorio nasceu, criou-se e até hoje vive no Trastevere, um bairro popular da capital italiana. “Mas fui a quartieri mais distantes, entrevistando idosos que unanimemente reclamaram de suas pensões.”  Imagine Di Gregorio pesquisando no Brasil. Qualquer que seja o valor, os italianos ainda recebem seis vezes mais, por conta do euro. Com base nessas histórias, ele foi desenhando seu roteiro. O Professor e um amigo vivem contando seus trocados e devendo no bar. Começam a imaginar que viveriam melhor se emigrassem para um outro país, onde o clima fosse mais ameno e os preços mais baixos. Surge um terceiro idoso – que tem um cão. Ecos do clássico neorrealista Umberto D, de Vittorio De Sica, que Jean-Paul Belmondo refilmou na França – Um Homem e Seu Cachorro. Escolhem os Açores. Justamente o ator que faz o papel de Attilio, o dono do cão – com quem ele vai ficar? –, morreu em dezembro de 2018, logo após concluir a filmagem. “No Brasil, ele talvez não fosse conhecido, mas na Itália era muito querido. Foi um baque para todos nós.”  Veja como são as coisas, reflete Di Gregorio. Ao montar o elenco, e já sabendo que faria o Professor, ele partiu em busca dos dois atores que seriam seus parceiros. “Dei minha volta ao mundo”, ele brinca, “e terminei por escolher Ennio e Giorgio Colangeli para fazer Giorgetto. E todos moramos em Trastevere, a poucas quadras uns dos outros”. Mesmo que seja para falar de recomeço, idosos carregam o peso da idade, a proximidade do fim. “Precisava de contrapontos, de jovens. Attilio tem uma filha, mas não era suficiente. Dois extremos. A par dos velhos, quem também seria marginalizado nessa Itália desumanizada? O imigrante.” Surgiu o personagem de Abu, interpretado por um ator natural, não profissional, do Mali.  Vale para Salih Saadin Khalid o que disse Luiz Bolognesi ao explicar como escolheu os ianomâmis que seriam atores de seu filme, A Última Floresta. “A câmera seleciona para a gente. A câmera ama algumas pessoas – amou Salih.” Talvez o desfecho da história de Abu passe a impressão de uma coisa fantástica, fabular. “Desde que ele entrou na nossa história, não conseguia pensar em outro final.” Abu é o grande viajante de Cidadãos do Mundo. “Quando ele conta seus dois anos de lutas, de estrada para chegar à Itália, quando formula seu sonho, minha expectativa é de que o espectador compartilhe nossas escolhas – as dos amigos.” E Di Gregorio acrescenta – “Não é a amizade clássica de Pietro Germi e Mario Monicelli, Cari Amici Miei. Amigos pela vida toda. A amizade se constrói aqui no espaço de um filme.”  Durante a pandemia, Di Gregorio já escreveu e rodou outro filme. Chama-se Astolfo, “sobre um homem que volta à cidade em que nasceu, Ardena, e reencontra a mulher de sua vida”. Steffania Sandrelli é quem faz o papel. “Será mais uma narrativa celebratória do humanismo. Não desisto de sonhar com um mundo melhor, para os Professores e os Abus.” De volta ao começo, Di Gregorio conta como chegou ao cinema. “Era o terceiro ou quarto assistente, servia cafezinho para Roberto Rossellini no set de seus filmes para TV. Via-o trabalhar. Era um gran signore, na vida e no cinema.” 

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