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Nana e o Rio, uma meia sonata

Tom de admiração do diretor pode não incomodar, mas limita, e filme deve agradar principalmente aos fãs da artista

Por Luiz Carlos Merten - O Estado de S. Paulo
Atualização:

No palco do Cine Odeon BR, em plena Cinelândia, o cineasta franco-suíço Georges Gachot disse, no ano passado, durante o Festival do Rio, que já estava habilitado para requerer sua cidadania no País. Gachot pode ter nascido na Europa, mas se sente brasileiro no coração. Converteu-o o amor pela MPB e, dentro dela, pelas cantoras derramadas, as que cantam o amor. Maria Bethânia, filmada por Gachot, comparou a música a um perfume. Nana Caymmi é a estrela de Rio Sonata.

 

 

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O documentário que estreia amanhã, em pleno feriadão, traz o Rio no título. Gachot tenta construir uma poesia da cidade por meio da música de Nana. Nem sempre consegue, mesmo que Nana, carioca do Grajaú, ame sua cidade e não se furte a fazer comentários críticos, como, por exemplo, citar as áreas de risco do Rio, as suas Faixas de Gaza, como ela define. Depois da pré-estreia nacional de Rio Sonata, favelas foram invadidas e pacificadas pelo Exército. O Rio mudou? Independentemente da resposta, essa ligação da artista com a cidade fica meio tênue.

 

Não é uma coisa fácil de estabelecer. Um Homem de Moral, de Ricardo Oliveira, também ficou no meio do caminho ao tentar criar o vínculo entre Paulo Vanzolini e São Paulo. No caso de Nana, por mais importante que seja o cenário, o que amarra a atenção - e prende o olho e o ouvido do público - é a própria artista. Com a mesma intensidade com que quer olhar a cidade, Gachot expõe Nana como se seu filme fosse um retrato de família e, por meio dela, aborda uma verdadeira dinastia da MPB. Filha de Dorival, irmã de Dori e Danilo, Nana ama sua família. É o seu refúgio.

 

Você não precisa ser fã de carteirinha, embora talvez ajude um pouco gostar dos Caymmi (em geral). Nana volta-se para a menina insone que foi e lembra que Dorival compôs para ela a clássica Acalanto. Só louco - também de Dorival Caymmi - para não sentir a emoção com que Nana canta, a capella, Acalanto. A música é seu País e ela exclama - "Me adoro cantando isso!", ao cantar uma das canções que Dori fez para ela. E ela, na intimidade, é como no palco. Solta a voz, o palavrão. Você vai perder a conta das vezes em que Nana diz "pqp".

 

Tribos. Gachot lembra as origens clássicas da musicalidade de Nana - e sua paixão por Clair de Lune, de Debussy. Algumas de suas escolhas podem ser surpreendentes (até no mau sentido), como ao colocar Martinália para falar sobre a artista. As duas não têm nada a ver, reclamam os especialistas. Gachot pode ter buscado justamente esse efeito, ao mostrar como Nana atrai outras tribos. Ele admite que teve problemas no meio do caminho - a morte do pai, a doença da mãe, Nana sofreu duros golpes durante a realização e montagem de Rio Sonata. Houve momentos em que o filme parecia que ia parar.

 

No capítulo revelações, é interessante vê-la desnudar-se em cena - metaforicamente. Nana reage aos rótulos - "As pessoas dizem que sou cantora de bossa, mas é mentira. Não gosto de ser rotulada, não canto só bossa nova", ela diz. Embora tenha sido casada com Gilberto Gil, ela também toma sua distância em relação ao tropicalismo - "Se alguém sentar aqui e me explicar o que é, posso até tentar entender". Todas essas afirmações podem suscitar algum grau de polêmica, mas Gachot se recusa a polemizar com sua retratada (mais do que biografada). O tom, se não é exatamente de reverência, é de admiração por Nana.

 

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É o defeito, ou o limite, da maioria desses documentários, não apenas os musicais. Wim Wenders, em fevereiro, em Berlim, também foi acusado de fazer a apologia de Pina Bausch, o que para os admiradores da coreógrafa talvez não seja exatamente um problema. O filme de Gachot é mais irregular, tentando transformar o acalanto de Nana em sonata do Rio. Mas se você ama a artista - e somos muitos -, o prazer é imenso, até porque Nana canta Roberto e Erasmo Carlos (Não Se Esqueça de Mim), Tom e Vinicius (Sem Você) ou Aldir Blanc e Cristóvão Bastos (Resposta ao Tempo). Nesses momentos, como diria Bethânia, coadjuvante no filme, ‘música é perfume’.

 

RIO SONATADireção: Georges GachotGênero: Documentário(Brasil/2010, 85 minutos)Censura: 14 anos

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