Quem se lembra do Zeca Diabo da novela o Bem-Amado (1973) pode pensar que Lima Duarte é ator talhado apenas para papéis cômicos. A voz fininha, no corpo do jagunço violento, provoca contraste hilariante que torna o personagem um dos mais famosos da teledramaturgia.
Mas basta saltar da TV para o cinema e recordar Lima Duarte naquele que talvez seja o seu maior papel na tela grande, em Sargento Getúlio, de Hermano Penna, baseado no livro de João Ubaldo Ribeiro. No filme, Lima é Getúlio, o personagem-título, militar truculento que conduz um prisioneiro pelo sertão e não hesita em infligir-lhe os piores castigos. Dá medo de Getúlio, braço armado do Estado autoritário. Medo que vem através da grande interpretação de Lima.
Em carreira tão variada, é até natural pensarmos que a filmografia de Lima Duarte é relativamente modesta em relação à sua extensa trajetória. Ator de TV, teatro e cinema, dublador (é dele a voz de Catatau, em Zé Colmeia), eclético e espontâneo no drama como na comédia, Lima é o chamado “bigger than life”, tamanhos cumes alcançou em suas múltiplas atividades cênicas.
É, também, para quem com ele conviveu, um admirável contador de “causos”, mantendo o auditório, ou a mesa de bar em que se encontra, suspensos à sua palavra.
Para entender o generoso leque dramático de Lima é preciso lembrar de um dos seus aspectos centrais de personalidade, o culto à literatura. Não por acaso foi escolhido pelo grande diretor português Manoel de Oliveira para interpretar o Padre Antonio Vieira em Palavra e Utopia (1998). Lima vive o sacerdote já velho, perto da morte, e dá show escandindo como poucos o complexo texto barroco do autor de Os Sermões.
Papéis histriônicos também não lhe são estranhos. Basta lembrar do patético pai que interpreta em Os Sete Gatinhos, adaptação de Neville D’Almeida para o texto de Nelson Rodrigues. Neville força a mão na vertente do grotesco em Nelson, e Lima o acompanha à vontade, dançando à beira do abismo da caricatura.
Aliás, Lima parece gostar do registro caricatural que, de forma crítica, zomba de si mesmo. É o caso do seu personagem Osires, machista convicto em Eu Tu Eles (2000), de Andrucha Waddington. Ou o pai repressor em A Ostra e o Vento (1997), de Walter Lima Jr.
Ele também brilha nos papéis cômicos. Como esquecê-lo como o bispo venal de O Auto da Compadecida (2000), de Guel Arraes, ou o técnico severo e machista nos Boleiros 1 e 2 (1998 e 2006), de Ugo Giorgetti? Numa frase resume a coisa. Interpela a perua vivida por Marisa Orth, que ronda a concentração de seu time, ameaçando tirar o foco dos atletas à véspera da partida: “A senhora sabe lá o que é um Palmeiras e Corinthians?”.