Música e amor na receita irresistível de Resnais

Diretor francês mostra no semimusical Amores Parisienses, que estréia nesta sexta, como as canções podem determinar um modo de amar

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Por Agencia Estado
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La Rochefoucauld disse que há gente que nunca teria se apaixonado se não houvesse lido romances de amor. Essa frase de efeito parece ser a idéia de fundo de Amores Parisienses (On Connaît la Chanson), filme mais recente de Alain Resnais, que entra agora em cartaz. Ela quer dizer que romances, mas também filmes e canções de amor, determinam a maneira como as pessoas irão se relacionar com as coisas do amor. Esse conjunto simbólico forma uma espécie de rede de segurança na qual o sujeito é capturado e acaba se comportando de acordo com direções pré-estabelecidas. O filme poderia ser definido como um semimusical, de formato bastante simples quando se pensa em Resnais como autor de títulos tidos por difíceis, como O Ano Passado em Marienbad e Hiroshima, Meu Amor. Pontuando o entrecho, as canções são usadas como comentários da ação, numa versão extremada dos telefilmes de Dennis Potter. Num fiapo de trama, moça namora um aproveitador do ramo imobiliário e é amada em silêncio por outro homem, que não tem coragem de se declarar. Os personagens vivem suas histórias numa Paris de aura romântica, deliberadamente estilizada para caber nesse formato em que canções de amor fazem as vezes de coro - nada artificial, por falar nisso. Quer dizer, Amores Parisienses nada tem a ver com um filme musical clássico, aquele em que diálogos são cantados, como em Os Guarda-Chuvas do Amor, por exemplo. O que acontece neles é que o papel da música, em geral mais subliminar do que explícito nos filmes, é colocado em primeiro plano. É um reconhecimento, não apenas à função da música no cinema, como na própria vida das pessoas. Por exemplo, se fosse feito no Brasil, por um diretor na faixa dos, digamos 50 ou 60 anos, seria pontuado pelas canções de Tom Jobim e Vinícius de Morais. Quem tem essa idade sabe que Tom e Vinícius ajudaram as pessoas a namorar, sentir, amar e até mesmo a se separar. Deram forma a sentimentos e por isso (com toda a configuração simbólica de uma época) induziram comportamentos. Como Resnais é francês, em lugar de Eu Sei Que Vou te Amar ou Se Todos Fossem Iguais a Você, temos Edith Piaf cantando J´m´en Fous pas mal, Gilbert Bécaud com Nathalie e Charles Aznavour em Et Moi dans Mon Coin. O mínimo que se pode dizer desse filme original e modesto é que ele é extremamente agradável de se ver. Além de ser testemunho do estranho caminho desse diretor. Ao longo de sua carreira, Resnais se mostrou hábil cozinheiro de linguagens cinematográficas. Em vez de definir uma autoria rígida, preferiu trabalhar com mesclas, com surpresas, variações de estilos. Estreou no longa com a nouvelle vague, mas suas pesquisas o levaram para um caminho singular. O começo foi brilhante com Marienbad e Hiroshima, ambos em colaboração com Marguerite Duras. Mais tarde dialogou com a psicologia experimental, em Meu Tio na América e com as histórias em quadrinhos, em Quero Ir para Casa. Mélô é um trabalho vizinho da linguagem do teatro. Resnais intuiu que não precisava fazer força para diferenciar a linguagem do cinema da do teatro: bastava enfatizar a situação teatral, expô-la aos olhos do público, com seu palco e cenários, e depois trabalhar essa exposição em termos de cinema, isto é, com o movimento da câmera. Dá um excelente resultado estético. O filme duplo Smoking/No Smoking é baseado diretamente numa peça de teatro e usa os mesmos procedimentos de Mélô. Nele, Resnais aproveita para refletir sobre um dos seus temas preferenciais, a função do acaso no destino humano. Duas histórias são contadas seguindo-se duas alternativas propostas ao protagonista. O fato de ele fumar, ou não, um cigarro determina o rumo que a trama irá tomar, e a partir de então as tramas alternativas se bifurcam. Talvez seja o primeiro e único filme probabilístico da história do cinema. Resnais teve trajetória variada e, para quem a conhece, sempre surpreendente. Amores Parisienses, este pequeno filme, tão banhado pela música, amoroso e simples, não deixa de ser uma surpresa a mais. Amores Parisienses (On Connait la Chanson). Comédia. Direção de Alain Resnais. Fr/97. Duração: 120 minutos. 14 anos.

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