Murilo Salles é um cineasta plugado nas contradições do País real

Diretor se mostra particularmente feliz ao colocar o drama pessoal contra o contexto histórico

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Depois de um início muito longo, e muito bem-sucedido, como diretor de fotografia, Murilo Salles estreia no longa de ficção com Nunca Fomos Tão Felizes (1984). Um estouro, mostrando os efeitos da ditadura militar sobre a estrutura da família.

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Neste, que muitos consideram seu melhor filme, Murilo se mostra particularmente feliz ao colocar o drama pessoal contra o contexto histórico. O difícil relacionamento do filho adolescente (Roberto Bataglin Jr.) e o pai militante (Claudio Marzo) estabelecia, na véspera da redemocratização, o custo social da ditadura.

Em Como Nascem os Anjos (1996), Murilo entra fundo na discussão do abismo de classes e da violência que encontra solo fértil nesse terreno de desigualdade. Percebe um dado adicional, o exibicionismo que turbina ainda mais a violência na sociedade do espetáculo. O show do garoto sequestrador (Silvio Guindane) para as câmeras de TV é uma das cenas de maior impacto da Retomada.

Esse entrecho de equívocos da vida nacional é novamente abordado, numa chave mais cômica, em Seja o Que Deus Quiser (2002), encontro enviesado de moradores do morro, jornalistas de TV e um representante do mundo clubber. Repete-se aqui o interesse pelos desacertos ancestrais, criativamente reciclados, e seus efeitos sobre os jovens. Estes herdam os erros de gerações anteriores e preparam os próprios erros para legar às seguintes.

Murilo Salles Foto: Helvio Romero|Estadão

Seria quase natural que esse mundo deformado, à brasileira, migrasse para o universo virtual, quando este se impôs como forma de representação dominante. Daí nasce Nome Próprio, inspirado em livros da escritora e blogueira Clarah Averbuck. Já se observou que filme e personagem (Camila, interpretado por Leandra Leal) são irritantes. De fato, é o retrato, não de geração, mas de um mundo em oscilação permanente entre o real e o virtual, entre corpos e almas despedaçados neste paradoxo que é viver entre multidões que abolem a privacidade e experimentar a mais absoluta solidão. Há que reconhecer nesses filmes a imersão radical no contemporâneo. Se, às vezes, dão tilt na dramaturgia, reiteram um cineasta engajado, para quem forma não se distingue do conteúdo.

E chegamos a Os Meios e os Fins, que mergulha no tema dos temas do Brasil contemporâneo – a corrupção. E o faz no registro sombrio em que mesmo cenas de praia são escuras, como num país refratário à luz solar. O casal Cíntia Rosa e Pedro Brício, ela jornalista, ele publicitário, migra para Brasília e é sugado pelo mundo político. Por quê? Porque nele vê a possibilidade de acesso a dinheiro, ascensão social e poder, que empregos comuns não trazem. Esse filme incômodo, se mérito tem, é sugerir que a corrupção, para deitar raízes tão sólidas, é um “bem” comum, moeda de troca que perpassa toda a sociedade. Num momento em que sutilezas estão abolidas e o maniqueísmo se institucionaliza, talvez traga elementos importantes para debate. Se é que existe clima para debate.

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