PUBLICIDADE

‘Mulher do Pai’ põe na tela a nova ficção gaúcha

Diretora Cristiane Oliveira conta como seu longa ficou complexo e ganhou o circuito dos festivais

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:
Maria Galant com Marat Descartes, o pai. Casa e paisagem são personagens. Foto: Vitrine Filmes

Cristiane Oliveira – nenhum parentesco com a atriz Cristiana Oliveira – já havia feito o curta Messalina, em 2004. Passaram-se mais de dez anos antes que ela fizesse seu longa Mulher do Pai, três vezes premiado no Festival do Rio do ano passado (direção, fotografia e atriz coadjuvante, Verónica Perrotta). Desde então, Mulher do Pai circulou por muitos festivais do País e do exterior (Berlim, Guadalajara, Ancara, um festival só de mulheres, Montevidéu) e ganhou mais cinco prêmios, entre eles o da crítica no evento uruguaio.

PUBLICIDADE

Messalina era sobre uma garota cega. Mulher do Pai é sobre outra garota em fase de descoberta da sexualidade e que serve de olhos para o pai cego. De onde vem esse fascínio de Cristiane pelo tema da deficiência visual? “Em 2002, os orelhões (telefones de rua) nem tinham número. Passava pela rua e vi o telefone do orelhão chamar. Pode ser excesso de ficção na cabeça da gente, mas não atendi porque fiquei com medo de uma bomba. Fiquei muito impressionada porque um cego atendeu.” Cristiane já trabalhava com cinema e, na sequência, numa oficina de roteiro, relatou o caso. E o que ele (o cego) disse, perguntaram-lhe? Imaginando o diálogo, Cristiane chegou a Messalina.

Mulher do Pai também nasceu de um movimento pessoal. Depois de 16 anos de afastamento, Cristiane reaproximou-se do pai. “Foi um processo muito rico. Descobrir um amigo mais velho, reconstruir os laços de afeto.” Mulher do Pai nasceu assim. A relação de uma filha com o pai. E, de alguma forma, à medida que o filme avançava, voltou o tema da cegueira. O pai cego. “A menina está se descobrindo e o pai, que vivia uma vida ‘guardada’ (como dizem os próprios deficientes visuais) redescobre sua libido.” O toque, o contato físico inevitável para quem precisa de amparo, coloca a questão do incesto. “Está no olhar de quem vê”, diz a diretora.

No Rio, quando o repórter falou isso para a atriz Maria Galant, ela reagiu logo. “Não, por favor. Marat Descartes (que faz o papel) é parecido com meu pai. Acho que se fosse por aí nem teria feito o filme.” Na ficção de Cristiane, a história passa-se na Vila de São Sebastião, no município de Dom Pedrito, Rio Grande do Sul, mas a cavalo de outras duas cidades – Bagé e Lavras. “É uma região de criação de gado, e essa é uma cultura muito machista. Criamos oficinas na vila e muitas mulheres que se integraram ao filme receberam pela primeira vez salário”, conta a diretora. E foi assim que a história de uma filha e seu pai foi ficando complexa

“Não só a questão da mulher numa cultura machista, que me interessa tanto. A própria localização na fronteira (com o Uruguai) extrapola a geografia. Temos a fronteira emocional, o reconhecimento do outro. E se você pensar no toque, na pele, temos a fronteira entre o interior e o exterior.” Todos esses temas têm aflorado nos debates em festivais. Mulher do Pai estreia com outros dois filmes do Rio Grande em cartaz – Quem é Primavera das Neves, de Jorge Furtado e Ana Luiza Azevedo, e Cidades Fantasmas, de Tyrell Spencer. Daqui a pouco estreia Rifle, de Davi Pretto, filmado na mesma região. Um novo cinema gaúcho? “Durante quase dez anos, desde 1998, o cinema gaúcho ficou sem fontes de financiamento. O que surge agora, essa diversidade toda, estava reprimida”, avalia Cristiane.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.