Mostra revive super-8 dos anos 70

Marginália 70 - Experimentalismo no Super-8 Brasileiro, que integra o evento multidiscplinar Anos 70 Trajetórias, no Itaú Cultural, tem filmes de Hélio Oiticica e Lygia Pape, entre outros

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Por Agencia Estado
Atualização:

São mais de cem obras - exatamente, 122 -, mas existem autores que são mais chamativos. Hélio Oiticica, Ivan Cardoso, Lygia Pape, José Agrippino de Paula, Antônio Dias. Assinam alguns dos programas mais radicais da mostra Marginália 70 - Experimentalismo no Super-8 Brasileiro, que integra o evento multidiscplinar Anos 70 Trajetórias, no Itaú Cultural. Você, com certeza, já ouviu muitas loas aos míticos anos 60. Foi a década que mudou tudo. Em contrapartida, os anos 70, após a ressaca de Maio de 68, teriam sido de refluxo. Não é verdade. Após a explosão do Cinema Novo - no bojo das mudanças provocadas pela nouvelle vague e pela consolidação das cinematografias nacionais nos 60 -, os 70 assistiram à proliferação da invenção marginal. A contracultura, um fenômeno mundial, trouxe consigo manifestações culturais alternativas. A década foi prodigiosa para o cinema, com propostas estéticas nem um pouco convencionais. Só para constar: Jean-Luc Godard, o grande revolucionário da linguagem e da política nos anos 60, atingiu, em 1968, o píncaro da sua arte contestadora com Week-End à Francesa. Depois de antecipar, com A Chinesa, Maio de 68, ele radicalizou o seu ataque à sociedade consumista, cujo símbolo, no filme, é o automóvel. Aquele congestionamento possui uma riqueza e complexidade de significados que o tornam um marco. Logo em seguida, Godard muda de rumo e cai na militância política, fazendo filmes revolucionários na sua célula, significativamente chamada de Dziga-Vertov. Ele entra nos anos 70 em parceria com Pierre Gorin, assinando filmes como Pravda e Lutas Ideológicas na Itália. Com Numéro Deux, em 1976, co-direção de Anne-Marie Miéville, descobre o vídeo e a televisão. Quando retorna ao cinema, nos anos 80, é de novo antecipando tendências. Essa trajetória de Godard nos anos 70 foi típica da época. Ocorreu algo parecido com Glauber Rocha no Brasil. Mas o evento do Itaú Cultural, com curadoria de Rubens Machado Jr., professor de cinema da Universidade São Paulo (USP) trilha outros rumos para mapear a produção marginal dos 70. Com apoio do Itaú, Machado Jr. localizou, recuperou e remasterizou o trabalho de 78 realizadores, compondo uma relação de 122 filmes experimentais, na bitola Super-8, que compõem essa programação. Privilegia a atividade de artistas plásticos, poetas e diretores experimentais. O que menos interessa, aqui, é o formato comercial. Com a mostra Marginália 70, o espectador ingressa nos domínios da experimentação pura. Além dos filmes, um debate na terça, dia 20, vai reunir os cineastas Ivan Cardoso, Edgard Navarro e Jomard Muniz de Britto numa discussão que, se antecipa muito interessante, sobre a marginália no cinema brasileiro. Oiticica e Glauber foram referências fortes para Ivan Cardoso. Oiticica, Glauber e José Mojica Marins, cujo Zé do Caixão transparece no vampiro de Nosferato, sempre em ação na Praia de Copacabana, em dias ensolarados. Na abertura de Nosferato, de 1971, uma mão corta um círculo para revelar o sangue. O vampiro de Cardoso é interpretado por Torquato Neto, na época já distanciado de seus companheiros de Tropicália. Do elenco também participam Scarlet Moon e Daniel Más. E, para substituir as trevas indispensáveis nos relatos sobre vampiros, um toque concretista, bem ao gosto de Cardoso, tão ligado aos irmãos Augusto e Humberto de Campos. Um verso informa que, "onde se vê dia, veja-se noite". Famoso por seus parangolés, Oiticica entrou para a história como o artista que deu espaço e movimento à cor. Por seu vanguardismo, costuma-se dizer que ele criou um vocabulário de formas, sensações e atitudes que até hoje se refletem na produção artística brasileira (morreu em 1980). Oiticica descobre uma Roma neoclássica em Nova York no filme Agrippina É Roma-Manhattan. O curador da mostra define o espírito da seleção. Rubens Machado Jr. quis ir contra o clichê dos alienados anos 70, em oposição aos revolucionários 60. Os filmes que selecionou deixam claro que o experimentalismo desses artistas era muito consciente. Produziu verdadeiros clássicos malditos, até pelo formato Super-8, que ele agora resgata. Serviço - Marginália 70 - Experimentalismo no Super-8 Brasileiro. De terça a domingo, às 16 horas, 18 horas ou 20 horas. Entrada fracna. Itaú Cultural - Sala Azul. Avenida Paulista, 149, tel. 3268-1700. Até 25/11. Abertura quinta-feira, às 20 horas

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