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Mostra reúne diretores de um filme só

Antunes Filho, Caetano Veloso, Jorge Mautner, Henfil, João Silvério Trevisan, Jô Soares estão entre os diretores que participam da mostra Um Só Pecado

Por Agencia Estado
Atualização:

Antunes Filho, Caetano Veloso, Jorge Mautner, Henfil, João Silvério Trevisan, Jô Soares, Mário Peixoto, Flávio Rangel, Roberto Freire, Bia Lessa, Walter Avancini, Jean-Claude Bernardet. Todos esses nomes possuem em comum o fato de terem dirigido um único longa-metragem. São diretores de um filme só. No CineSesc, em São Paulo, começa amanhã um ciclo com o sugestivo nome de Um Só Pecado, em que todos esses ´filhos únicos´ serão exibidos até o dia 23. O pontapé inicial é de Jô Soares, com o seu O Pai do Povo, em que ele dirige e atua em três papéis, além de assinar o roteiro. O Pai do Povo é um filme muitíssimo bem cuidado, mas foi muito prejudicado pela censura, diz Jô, em entrevista. O filme é de 1976 e os censores do regime militar implicaram com a história que se passa após uma hecatombe nuclear. Ele tem muitas idéias na cabeça, mas nenhum projeto específico de filme. "Cinema exige condições, infra-estrutura, tempo", explica Jô Soares. Por isso mesmo, O Pai do Povo terminou sendo uma experiência isolada em sua carreira. É o único filme que Jô dirigiu, além de assinar também o roteiro (em parceria) e interpretar três papéis (entre eles não está o personagem-título). O Pai do Povo inicia nesta quinta-feira uma programação original do CineSesc. Partiu de Luiz Alberto Zakir, gerente e programador da sala, a idéia de fazer um ciclo reunindo diretores de um só filme. Jô foi um dos autores selecionados. Esta noite, numa sessão fechada para convidados, ele próprio vai apresentar O Pai do Povo. O repórter conta que não viu O Pai do Povo. Jô dispara: "Eu também não!" Nem sabia com quem andavam os negativos do filme. À parte a expectativa de reencontrar sua obra, antecipa para a reportagem algumas coisas que vai dizer logo mais: "O Pai do Povo é um filme muitíssimo bem cuidado, mas foi muito prejudicado pela censura." O filme é de 1976 e os censores do regime militar implicaram com a história que se passa após uma hecatombe nuclear. Sob os efeitos da radiação atômica, todos os homens do planeta ficam estéreis, menos um - que conseguiu escapar porque dormia num cano de chumbo, na ilha de Silvestria, no Oceano Pacífico. Esse homem vira a última esperança da Terra. O ditador de Silvestria, o general Contreras, chamado de El Libertador - um dos três personagens que Jô interpreta, com a filha do milico uma gordinha pirada, e um bispo chamado para legitimar o sexo salvador da humanidade -, passa a cobrar fortunas das superpotências para que seu garanhão faça sexo. A ONU intervém, determinando que as nações pobres, sem condições de pagar, sejam assistidas pelo pai do povo. E, assim, uma de cada oito intervenções do garanhão passa a ser de graça. Jô explica: "Para regulamentar o mercado e proteger a produção, havia, na época, uma lei que dizia que, de cada oito filmes que chegavam às salas, um tinha de ser brasileiro." Fazer cinema dá trabalho, mas é gostoso. Jô gosta de dormir até meio-dia; 11 horas para ele ainda é madrugada. "Durante as filmagens, eu acordava às 6 e vivia feliz, cheio de disposição e entusiasmo." Lembra como teve a idéia de fazer O Pai do Povo. "Andava de carro quando, um dia, pensei nos monopólios que o Brasil já tivera e havia perdido. Possuíamos o monopólio da borracha e aí a Holanda arranjou uma muda da planta e acabou com a nossa festa. Tínhamos o monopólio do café e o perdemos para a Colômbia." Surgiu, então, a idéia desse monopólio sui generis, que dá ao homem brasileiro a primazia sobre todos os machos do planeta. Cinéfilo de carteirinha - Cidadão Kane é seu filme preferido -, Jô vale-se de sua experiência para referendar uma definição de Orson Welles: "O cinema é o melhor trem elétrico que existe para se brincar." Só lamenta uma coisa: "O cinema brasileiro da época era dominado por panelinhas; fui muito hostilizado por tentar ingressar num universo que, para certos diretores, já tinha dono. Era como se eu fosse um penetra na festa deles." Para driblar a censura, Jô situou sua ditadura bem longe do Brasil e até lhe deu um nome fictício. Não adiantou: "O filme teve vários cortes, não apenas de imagens, mas também de sons." Quando o filme chegou às salas, lançado no carnaval, para esvaziar ainda mais o público, muitas vezes os personagens abriam a boca e moviam os lábios sem que se ouvisse nenhuma fala." Jô não sabe qual cópia será exibida no ciclo do CineSesc mas pode-se garantir que está boa. O Pai do Povo foi um dos quatro filmes da programação - com Gimba - Presidente dos Valentes, de Flávio Rangel, Cléo e Daniel, de Roberto Freire, e Compasso de Espera, de Antunes Filho - cujas cópias foram refeitas para integrar a programação que vai até o dia 23 na sala da Augusta. Ao imaginar esse ciclo, Zakir sabia que daria trabalho. Foi mais difícil ainda. A primeira etapa listou 82 filmes, que baixaram para 24 na seleção final. Foi preciso negociar com cada diretor ou produtor, avaliar as condições de cada cópia. Uma pesquisa iconográfica foi encomendada à empresa especializada A Casa da História e dela resultou um precioso acréscimo ao ciclo - o catálogo com textos finais esclarecedores de Neusa Barbosa, a autora da biografia Woody Allen, da Editora Papagaio, em parceria com o site CineWeb. São duas dúzias de títulos e alguns deles você sabe que teriam de estar lá. Limite, de Mário Peixoto, possui defensores que o consideram a obra-prima do cinema no País e também o mais importante filme de vanguarda feito no Brasil. Não é nem um nem outro - pode-se preferir Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, e Fome de Amor, de Nelson Pereira dos Santos -, mas Limite não poderia faltar no programa. Se você nunca viu - e as novas platéias dificilmente terão visto -, não pode perder Cinema Falado, de Caetano Veloso, cujo título tem valor de advertência, mas cuja verborragia está longe de ser aborrecida. O que se fala no filme de Caetano é relevante e o episódio de Fidel Castro, com Regina Casé, talvez seja a base de tudo o que ela fez depois, de inovador, na TV brasileira. Há também O Demiurgo, de Jorge Mautner, que o próprio Glauber considerava "o melhor filme do exílio e sobre o exílio". Diretores de teatro como José Celso Martinez Corrêa, Flávio Rangel e Antunes Filho tropeçam em suas incursões pelo filme. Zé Celso passa pela câmera sua encenação de O Rei da Vela, Rangel dizia que havia errado ao fazer, em preto-e-branco, uma história que exigia cores, mas esse talvez seja o menor defeito de Gimba, adaptado da peça de Gianfrancesco Guarnieri. Antunes Filho parece querer roubar de Caetano o título de Cinema Falado, mas esse também é o menor dos defeitos de Compasso de Espera, sobre a complexa questão do racismo no País. Há filmes de Mário Carneiro (Gordos e Magros), de Henfil (Tanga - Deu no New York Times), que passa no dia 20, às 19 horas, de Paula Gaetano, a ex-mulher de Glauber (Uaká) e Jean-Claude Bernardet (São Paulo, Sinfonia e Cacofonia), todos mais interessantes do que as experiências isoladas de Bia Lessa (Crede Mi) e Walter Avancini (o abominável O Boca de Ouro). Há um filme que você não pode perder. É A Vida Provisória, único filme realizado, nos anos 1960, pelo crítico Maurício Gomes Leite, com Paulo José, Dina Sfat e José Lewgoy. Gomes Leite era louco por Godard. Você vai perceber nessa fascinante, se a memória não falha, história dos dilemas de um repórter político, durante a ditadura. Serviço - Um só Pecado. Sexta, às 17 horas, ´Prata Palomares´/70 de André Faria, dur. 131 min., com Renato Borghi, Carlos Gregório, Ítala Nandi; sexta, às 20 horas, ´Sagrada Família´/70, de Sylvio Lanna, dur. 85 min., com Paulo César Pereio, Nelson Vaz, Walda Maria Franqueira. Sábado, às 15 horas, ´Uaká´/88, documentário de Paula Gaitán; sábado, às 18 horas, ´O Rei da Vela´/71-81, de José Celso Martinez Corrêa, dur. 160 min., com Renato Borghi, José Wilker, Ítala Nandi; sábado, às 21 horas, ´Hitler 3.º Mundo´/68, de José Agripino de Paula, dur. 90 min., com Jô Soares, José Ramalho, Eugênio Kusnet. Domingo, às 15 horas, ´Limite´/29-31, de Mário Peixoto, dur. 120 min., com Taciana Rey, Olga Breno, Mário Peixoto; domingo, às 17h30, ´Dezesperato´/68, de Sérgio Bernardes Filho, dur. 90 min., com Marisa Urban, Ítalo Rossi, Norma Benguell; domingo, às 19h30,´ O Demiurgo´/72, de Jorge Mautner, com Caetano Veloso, Gilberto Gil Jards Macalé. Diariamente, vários horários. Grátis. CineSesc. Rua Augusta, 2.075, tel. 3082- 0213. Até 23/12. Amanhã (11), às 20h30, abertura somente para convidados com a exibição de ´O Pai do Povo´, de Jô Soares

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